Franklin Deluzio Silva Junior
deluziofranklin@gmail.com
RESUMO: A análise sobre o discurso de Protágoras que alcançou uma acentuada
referência no tocante à individualidade, subjetividade e relatividade
demonstrando algumas características essenciais. Entretanto, percebemos que
essas três características são traços do pensamento de Protágoras baseado em
três ideias centrais: (a) homem-medida (homo-mensura¹), (b) o paradoxo de
discursos contraditórios e (c) a transformação de um discurso fraco em discurso
forte.
Palavras-chave: Homem, Discurso, Individualidade, Subjetividade, e
Relatividade.
O homem enquanto medida de todas das
coisas
De acordo com
Protágoras todo juízo é fundamentado nas percepções e sensações (homem), e o
homem enquanto medida é capaz de trabalhar os critérios inatos da percepção,
para julgar, medir, pois o homem individual, que é o critério fundamental para
designar se uma sensação é ou não é determinada coisa, podendo surgir diversas
percepções de uma mesma ação, criando nesse contexto através da subjetividade
um mundo privado ao próprio individuo.
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1Graduado
em Filosofia pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).
2homo-mensura é um termo do latim que
designa a afirmação de Protágoras, homem medida de todas as coisas, mas essa
palavra só designa homem medida, o homem que sente e percebe é a medida, ou
seja, o padrão, o critério que determina uma sensação. A partir de uma
abordagem que abrange critérios e regras que vem a designar certo significado
de uma palavra, Protágoras utiliza essas duas palavras, já que elas cumprem os
requisitos básicos de significação.
Nesse ponto,
Protágoras defende um relativismo, que para fundamentar foi apresentado
no diálogo Platônico conhecido como Teeteto, uma análise platônica do homem
enquanto medida que é explicitado da seguinte forma, numa mesma ação o sujeito
pode ter sensações diferentes, logo a nossa natureza empirista é pessoal, de
forma que eu percebo umas características de uma determinada ação e outro
sujeito percebe outras, consequentemente um poderá sentir frio e outro calor na
ação de um mesmo vento.
Este postulado vem
contextualizado, porquanto na Grécia os cidadãos discutiam nas assembleias
(isegoria) os assuntos da cidade, onde todos os cidadãos tanto alfaiates,
mercadores, guerreiros, etc., se manifestavam com os inúmeros pontos de vistas
contraditórios e eram aceitos aqueles discursos que convenciam a maioria dos
cidadãos. Então, o relativismo subjetivo nos apresenta uma posição segundo o
qual só existe o que cada um percebe, sendo que é através da individualidade
das sensações e da subjetividade, que se pode gerar o conhecimento, sendo nós o
juiz de nossas percepções.
Protágoras e Heráclito
apresentaram em ordem cronológica o mesmo princípio: uma vez admitido o
movimento, desaparece a certeza de que aquilo que percebemos seja verdade, pois
as coisas são sempre em um constante vir-a-ser3, relativamente e
momentaneamente, de certo que Sócrates no livro Platônico Teeteto discutindo
com o próprio Teeteto apresentou a seguinte máxima inspirada em Protágoras:
Cada um de nós é a medida do que é e do que não é, e, no entanto cada um
difere infinitamente do outro: para um é uma coisa e assim aparece, a outro é e
aparece outra coisa. [...] para quem está doente aquilo que come aparece e é
amargo, mas para quem está saudável aparece e é o contrário. E não preciso
fazer mais sábio nenhum dos dois, pois não é possível, nem se deve acusar o
doente de ser ignorante por ter esta opinião, nem o saudável de sábio por ter
outra; mas deve-se fazer uma mudança no doente, porque é melhor o estado do
outro [...] o médico faz mudança com remédios e o sofista com discursos. Por
conseguinte, não fez com que o que tem uma opinião falsa tivesse
posteriormente uma opinião verdadeira; pois não é possível ter opinião sobre o
que não é, nem ser afetado por outra coisa que não aquela que o afeta que será
sempre verdade. Mas penso que, a quem tem uma opinião afim ao defeituoso estado
de alma em que se acha, um benéfico estado de alma fará ter outras opiniões
como esta, imagens a que alguns por ignorância, chamam verdadeiras; eu chamo a
umas melhores que as outras, mas não mais verdadeiras [...] E afirmo que os
oradores sábios e bons fazem com que as coisas benéficas pareçam ser justas às
cidades, em vez de defeituosas. Pois, aquilo que a cada cidade parece justo e
belo é isso para ela, enquanto assim o determinar” Teeteto
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3 A teoria fluxista Heracliana é
resultado de um estudo epistemológico sensorial, que expõe a fundamentação de
que as coisas não são fixas, tudo é movimento, tudo é devir e toda a realidade
se subordina funcionalmente a esse movimento, de forma que a realidade se
reduz ao vir-a-ser. Desta maneira, existe um movimento que une e organiza o
sistema de coisas, nesta manifestação é que Heráclito vê que os opostos fazem e
se configuram em um único todo.
O papel conferido à
sensibilidade4 é o principio central para entender o significado das três
palavras básicas, isso significa que as coisas que percebo existem mesmo,
porque a experiência sensível concede de alguma forma essa existência, contudo
essa transmissão se apresenta imediatamente para o individuo.
Conforme
percebemos, o conteúdo da percepção é transferido para a racionalização, assim
as coisas que não percebo não existem para mim, porque a percepção (fantasiai)
consiste em algo individual e necessita do sujeito “presente” para transferir
essa informação perceptiva para outro, mas a percepção de outro sujeito pode
desembarcar num relativismo que chamaria de primário, conforme as opiniões
(dóxai) todas possuem a mesma importância e valor.
De acordo com a
visão de Protágoras, o “eu” que julga os valores e que faz o julgamento de
todas as coisas sensíveis5, transforma cada indivíduo em juiz do seu
entendimento perceptivo e não há outro que poderá julgar por mim, se uma coisa
é ou não é, de sorte que afirmá-lo, é decidir tudo que o meu julgamento
decretar, isso equivale ao entendimento da minha sensação, pode não ser um
entendimento universal. A influência da sensibilidade determina o que
percebemos imediatamente, prontamente o pensamento é conhecimento, as sensações
são conhecimento, dado que, toda essa causalidade é diretamente ligada com a
relação do homem individual e a realidade.
Assim podemos
definir a palavra individualismo em Protágoras como aquele que domina alguma
coisa, que sentiu alguma coisa, contrariando a visão que o senso comum nos
apresenta diariamente, como sendo pensar em si, ramificou para pensar por si
mesmo. A partir disso, podemos apontar para um tipo de análise, que conforme as
ideias existem, dados históricos o comprovam. O intelecto humano passou por um
período de desenvolvimento devido à questão de sobrevivência da raça humana,
isso demonstra que o homem individual teve que submeter suas necessidades, seus
interesses e faculdades a realidade problemática, criando alternativas para que
conseguisse superar essas dificuldades, de forma que o seu individualismo
ganhou subsidio para que suas capacidades individuais inatas evoluíssem e
desembarcassem numa forma mais aprimorada de conhecer.
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4 A sensação ou a percepção sensorial
(aísthesis) é o estabelecimento entre um sujeito (homem) e qualquer
objeto que se encontra na realidade exterior do homem. Ou seja, o encontro
e o movimento desses dois protagonistas podem gerar o conhecimento, esse
movimento faz com que o objeto emita caracteres sensoriais ao homem, com
efeito, o homem poderá através do uso da razão proferir algo sobre.
5 Guthrie (2007, p. 173) entende
metron como padrão de julgamento, a forma que Platão utiliza para fazer uma
abordagem ligada a sensação como meio de conhecer a realidade exterior do
homem. Consequentemente, concebe que cada homem tem um mundo privado, logo cada
homem é a medida e tem seu padrão de julgamento, nasce nesse quesito uma relatividade de
valores de forma que A, B e C pode definir, sentir ou conceber sensações
diferentes.
Portanto, a
capacidade de conhecer é inerente ao homem universal, o homem individual tem a
capacidade e independência para tomar suas próprias decisões, podendo assim
medir, julgar as coisas, essa individualidade é uma herança Sofista que
Nietzsche utilizará para defender sua Filosofia.
Por isso, Nietzsche
vem defendendo a teoria que a inteligência humana surgiu definitivamente no
meio de lutas pela sobrevivência (MARTON, 2001, p. 168). Em vista disso, o
homem como indivíduo solitário necessita de suas faculdades naturais para
definir o seu intelecto, sua forma de sentir e definir o mundo, de fato em meio
a tudo isso nossas capacidades inatas se desenvolveram em situações bastante
adversas, nosso crescimento e desenvolvimento tanto intelectual como da
condição humana hoje se encontra razoavelmente concretizado devido à
sensibilidade, compreensão, adaptação e não podemos deixar de fora a razão “a
mãe de tudo isso que somos hoje”, sem ela não seríamos nada além que animais
irracionais ou “bichos”.
Por isto, nas
Antilogias Protágoras afirma que o homem sempre vai encontrar dois discursos
contraditórios, desta maneira faz-se uma proposta muito tentadora, proposta esta
que os medievais não suportavam ouvir por causa do “dogmatismo”. A proposta
de Protágoras era uma análise em cima do homem individual, impossibilitando um
conhecimento universal das coisas e essa impossibilidade se dá porque o
conhecimento sensível é individual, sendo que cada sujeito julgue os valores,
as ações, os pensamentos e todas as sensações que é experimentado, transmitindo
discursivamente o conhecimento das coisas como foi experimentado devidamente.
E [Protágoras] foi
o primeiro a afirmar que sobre todos os assuntos existem dois argumentos
antitéticos entre si e utilizou-os, arguindo mediante perguntas e respostas,
prática que ele iniciou (Diógenes Laércio, 9, 50 et.seq.).
Neste contexto,
podemos afirmar que para Protágoras existem duas opiniões: uma que afirma uma
coisa e outro que nega. Este fato coloca um ponto chave neste assunto, de
forma que o mesmo se fundamenta na subjetividade humana, no que a sensação
determina, e no que é uma opinião ou um enunciado verdadeiro.
6 Dogmatismo é um conjunto de
doutrinas especialmente religiosas que o homem tem a plena convicção que seja
verdade.
A fundamentação
parte da ideia que um homem não se iguala ao outro, ele decide a um sistema
complexo de estruturas mentais que são associados muitas vezes ao senso comum,
a religião ou a qualquer forma de concepções de mundo que determinam todo o
sistema de percepção humana. Deste modo, percebemos também que Protágoras não
foge da realidade ateniense, onde o embate político estava no seu auge em
Atenas e conseguia mais destaque aquele que apresentava na base do discurso os
argumentos mais estruturados, convincentes e persuasivos.
Que diremos, pois,
Protágoras sabia muito bem que a época era uma época propicia para esse tipo de
arte (tékhne7), pois ele diferentemente dos outros sofistas não visava somente
às boas remunerações, mas sim, uma formação plena da condição humana para que
os homens fossem bons nos fazeres da cidade e nas funções sociais, de
modo que a cada aula tomada esse ensinamento é fundamental para que
gradativamente o homem dentro da cidade se tornará melhor em tudo, ou seja,
tornar o homem um bom cidadão para a cidade e para seu povo alcançando desta
maneira progresso na vida.
O fundamento
teórico apresentado até o momento ampara o subjetivismo e individualismo
apresentado por Protágoras, e vêm intrinsecamente ligados ao teor da
relatividade expressiva de valores e da moralidade como disse Guthrie, o
subjetivismo de Protágoras já foi introduzido em conexão com a relatividade de
valores, e a estreita relação dele com suas atividades como professor de
retórica é óbvia. “(GUTHRIE, 2007, p. 172)
Neste ponto,
podemos considerar a retórica uma fonte de toda a escola sofista influenciada
por Protágoras e isso se deve pela estrutura democrática criada na época em
Atenas. Logo, no conhecimento sensível em Protágoras o sujeito individual se
conecta com objetos reais, mas a sensação vai depender de toda uma estrutura já
formada, a definição do objeto depende do indivíduo, sendo de difícil forma
negar ou afirmar qualquer postura adotada sobre qualquer assunto, devido a isso
há afirmações que se chocam, como o mesmo Protágoras afirma que existem sempre
dois pontos em argumentos e ambos são contraditórios. Por isso, o termo medida
vem de medir, onde o homem põe o seu critério de julgamento sobre o objeto,
argumentos ou qualquer outra forma que o homem tenha de medir e julgar.
7 Tékhne é uma palavra grega que
significa arte.
Teeteto em conversa
com Sócrates afirma que “o conhecimento não é mais do que sensação” (151e),
Sócrates refaz a afirmação de Teeteto e diz que “o conhecimento é sensação”.
Sócrates que não é nenhuma “criança”, entende que com isso ele está defendendo
a tese Protagoreana do homem enquanto medida, logo se o homem é a medida
daquilo que percebe, daquilo que sente, ele transfere essa ideia de homem para
ele e Teeteto que é um dos personagens que está debatendo a teoria de
Protágoras, questiona: nós somos homens, qual de nós dois que será o critério
para identificar a sensação apresentada? Quem será a medida? Logo após esses
questionamentos, Sócrates apresenta um conhecido entre os gregos da época,
Heráclito e sua teoria do devir/movimento, analisa em conjunto com a ideia do
homem enquanto medida de Protágoras, percebendo que Sócrates vai unindo
pequenos argumentos e dialogando entre si Teeteto vai confirmando, vale lembrar
que neste ponto Sócrates exalta Protágoras o chamando de “poço de sabedoria”
reconhecendo assim a importância magnífica do filósofo. Contudo, ele continua a
defender sua tese afirmando que Protágoras, Heráclito e Empédocles entre outros
poetas dão a entender que as coisas surgem do fluxo e movimento das coisas,
Teeteto imediatamente confirma a situação, devido às provas que o movimento é
aquilo que faz uma coisa parecer existir.
Sócrates
praticamente incorpora Protágoras e diz que é evidente que o branco e preto é
determinado pelo encontro dos olhos com o movimento particular de cada uma,
desta maneira a cor que é determinada por esse movimento é algo intermediário e
peculiar, com isso ele quer dizer que não há uma exatidão nesse acontecimento,
sendo que os animais irracionais não têm a mesma exatidão que para nós humanos
racionais, ou seja, não será igual ao que nós enxergamos.
Considerações finais
Diante do que
apresentamos a necessidade histórica e a dificuldade de fatos e livros do
próprio Protágoras, concluímos que este trabalho alcançou a finalidade que seu
tema requeria. Óbvio que pela abordagem textual o Protágoras deixa claro
algumas ideias centrais que deixa em aberto à questão. O homem enquanto medida
parece ser um problema insolúvel, o homem da metafísica, o homem animal
racional, não deixará de ser homem medida, a ideia da relatividade vinculada as
ideias de Protágoras nos faz acordar pra um determinado assunto que envolve a
impossibilidade de conhecer o absoluto ou verdades, por sermos apenas partes.
Contudo, como o homem é um ser
racional limitado, parte de um todo,
é inviável a compressão daquilo que é absoluto,
ilimitado, inesgotável, irrefutável, infalível, logicamente percebemos a
extrema pobreza do homem enquanto parte pequena nesse todo.
Essa inflexão da
incognoscibilidade do absoluto e da verdade frente à relatividade
epistemológica do conhecimento humano vem em razão a processos cognitivos que é
determinado por fatores aleatório que são vinculados as crenças, geração,
cultura, entre outros. Logo, o que aparece, logo perece, essa
transitoriedade é própria do existir humano e os fatores de sua cotidianidade
sustentam essa transição.
Desta maneira, de
todas as coisas que existem, seria pura pretensão eliminar o homem acusando-o
de formular pseudoconhecimento, e consequentemente deixando-o sem sentido. Essa
atividade sensorial que a luz que alumia não alumia de uma vez por todas, como
o homem não é o mesmo, devido às condicionalidades pode gerar um encadeamento
de ideias e gerar novas ideias. Essa transitoriedade impossibilita o
conhecimento do absoluto e da verdade, de modo que não existe uma forma para
determinar as coisas, mas existe uma multiplicidade de formas diferentes de
sentir, perceber, pensar, falar, que não depende das coisas, mas do homem e
suas condicionalidades.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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digitalização: Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia) Disponível
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VAZ PINTO, M. J. Sofistas -
Testemunhos e fragmentos. Introdução e notas: Maria José Vaz Pinto e Ana
Alexandre Alves de Sousa. Imprensa Nacional Casa da Moeda: Lisboa, 2005.