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A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOS MILITARES E A LÓGICA DA DISTINÇÃO HIERÁRQUICA (ALINE PRADO ATÁSSIO)






Aline Prado Atássio, UESC*

Resumo. O Exército, sob os seus aspectos estruturais, internos, organizacionais ou institucionais, foi e continua sendo objeto legítimo de estudo das ciências humanas. Suas particularidades, seus ritos, a lógica institucional e seus componentes foram abordados sob as mais diversas óticas, gerando significativa bibliografia, contudo, não obstante a relevância de tais trabalhos, a maioria optou pela adoção das linhas de análise norte-americanas. A proposta deste texto é inovar, realizando uma análise da formação dos militares do exército utilizando um aporte teórico francês, especialmente sob a ótica de Pierre Bourdieu. A finalidade deste texto é uma objetivação do campo militar, bem como da incorporação do habitus militar por aqueles que optam pela carreira das armas. Além disso, este artigo busca desvendar o processo de formação de “identidades militares” através das escolas de formação. Para tanto, foram realizadas leituras de textos, artigos, livros e pesquisas de campo na Escola de Sargento das Armas (ESSA).

Palavras-chaves: Exército. Habitus. Militares. Escola de Sargento das Armas.

MILITARY EDUCATION AND THE LOGIC OF HIERARCHICAL DISTINCTION

Abstract. The Brazilian Army is a legitimate subject for social sciences study. Previous studies have been analyzed this institution according to North-American theoretical and methodological approaches. The aim of the currentstudy is to analyze the Brazilian Army according to French theoretical approach. Specifically, we use Pierre Bourdieu’s habitus framework to evaluate the introjection of Army´s ethos and worldview by individuals who choose to engage in military career. In order the achieve this aim, we conducted a fieldwork in to observe and analyze the role of the training process of the Weapons Sergeant School (ESSA) on the formation of a "military identity" in the candidates who undergo the ESSA training.

Keywords: Army. Habitus. Military.Weapons Sergeant School.

Introdução

O Exército, sob os seus aspectos estruturais, internos, organizacionais ou institucionais, foi e continua sendo objeto legítimo de estudo das ciências humanas. Suas particularidades, seus ritos, a lógica institucional e seus componentes foram abordados sob as mais diversas óticas, gerando significativa bibliografia, contudo, não obstante a relevância de tais trabalhos, a maioria optou pela adoção das linhas de análise norte-americanas. A proposta deste texto é inovar, realizando uma análise da formação dos militares do exército utilizando um aporte teórico francês, especialmente sob a ótica de Pierre Bourdieu.
       A finalidade deste texto é uma objetivação do campo militar, bem como da incorporação do habitus militar por aqueles que optam pela carreira das armas. Além disso, este artigo busca desvendar o processo de formação de “identidades militares”.

Pensar as Forças Armadas (FFAA) sob a ótica da teoria de Pierre Bourdieu implica em admitir que tal instituição é uma estrutura organizacional, bem como uma instância reguladora das práticas dos seus agentes. Por isto exerce nestes, através das condições e da disciplina que submete seus agentes, uma ação formadora de disposições duráveis1. Podemos dizer que o Exército impõe a todos aqueles que dele fazem parte um princípio comum de visão e divisão, ou seja, “estruturas cognitivas e avaliativas idênticas” (BOURDIEU, 2001, p. 210).

Os militares, como parte de um mundo social onde há lutas pela diferenciação, compõem o grupo que formará um campo cujo emprego é o exercício da força na defesa externa do Estado2. O lugar destes militares dentro da ordem social é como braço armado do Estado, e apesar da crise de identidade que investiu as Forças Armadas (em especial o Exército) com o fim da Guerra Fria e da ameaça externa pelo comunismo, nenhuma decisão sobre segurança e defesa nacional pode ser tomada sem a participação militar. Nesta nova ordem internacional as
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1 Disposições são aqui entendidas como “atitudes, inclinações para perceber, sentir, fazer pensar, interiorizadas pelos indivíduos em razão de suas condições objetivas de existência e que funcionam então como princípios inconscientes de ação, percepção e reflexão”. (BONNEWITZ,2003, p. 77).
2 Atualmente, de acordo com a lei 142 da Constituição Nacional, as Forças Armadas (FFAA)podem ser convocadas para intervirem no campo interno quando houver ameaça “da lei e da ordem”. Esta utilização das FFAA é questionada pelos militares e por estudiosos, pois implicaum “rebaixamento” das Forças para assunção do papel de polícia. Isso sem contar o despreparo dos militares para agirem em determinadas situações. Ver Santos (2004).

maiores ameaças são terrorismo, tráfico de drogas, pobreza, desigualdade de renda e questões ambientais, ou seja, poucas dizem respeito às Forças Armadas diretamente. Internacionalmente as questões maiores incluem o emprego de militares para integrarem as forças de paz das Nações Unidas e, mais recentemente, para a proteção das fronteiras na região da Amazônia contra o narcotráfico.

Após anos no papel de “poder tutelar” os militares sentem-se desprestigiados pela “falta de função” e aplicabilidade de suas Forças, gerando uma crise de identidade que foi agravada pelos constantes questionamentos do seu papel pela sociedade civil. Todavia, pesquisas realizadas pelo governo federal revelam que o Exército é ainda uma das instituições em que os cidadãos mais confiam, perdendo apenas para os Correios3. A carreira militar ainda atrai jovens de todas as classes4.

A lógica que opera neste campo difere, por princípio, das lógicas dos outros campos, de forma que existem “leis” específicas para o campo militar, e entre elas está a obediência à disciplina, que age como normalizadora dos agentes (como veremos mais claramente no decorrer deste texto) e à hierarquia, que é um dos princípios formadores do habitus coletivo da instituição e estabelece as fronteiras entre os militares e os civis “e estrutura as relações internas dos militares (LEIRNER, 2003, p. 3)5.
O microcosmo social representado pelo campo militar é hierarquicamente dividido, porém não é estático; o tempo, os estudos e a experiência adquiridos no exercício da função, entre outros fatores, fornecem ao agente possibilidade de ascensão social, o que significa não apenas aumento de capital econômico, mas, principalmente, de capital simbólico dentro da instituição. Este é, na realidade, a razão de ser, o sentido da vida de um militar, a consagração do sacrifício supremo que significa a doação de sua vida pela pátria. As medalhas e outros signos que são ostentadas em uniformes de oficiais representam o reconhecimento por esse sacrifício, bem como as trocas de patentes por mérito (ao invés da promoção pelo tempo de serviço), que são vistas como reconhecimento e legitimação pela instituição e seus integrantes da importância daquele que ascende na carreira.

Este capital simbólico age proporcionando benesses para o agente não apenas dentro da caserna como também na sociedade civil, onde a autoridade militar é reconhecida e o individuo portador de uma farda é olhado com admiração e respeito, em especial pelas camadas com menor capital cultural e econômico (PINTO, 1975). Dentre aqueles vindos de famílias de militares, os ganhos adquirem outra dimensão, pois ao seguir a carreira, esses novos militares estão correspondendo às expectativas familiares e ganhando novo status dentro do núcleo familiar.

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3 Para estas estatísticas ver site do Exército ou do Governo Federal.
4 O número de inscritos para os exames de admissão nas Forçar Armadas aumentou significativamente nos últimos 5 anos. Maiores informações no site http://www.exercito.gov.br e links ali postados referentes à diversas academias militares.
5 “De maneira análoga, ela operava ao mesmo tempo na base da organização militar – demarcando a divisão de trabalho; os ganhos salariais subsequentes; a divisão espacial no interior de organizações militares; a divisão temporal durante a carreira; os aspectos cotidianos como moradia, lazer e em grande medida o acesso a casamentos prescritos de acordo com a hierarquia - bem como nas representações coletivas - uma "visão de mundo hierárquica": a percepção do "mundo de fora "seguia critérios homólogos à sua organização interna, como pode ser observado, por exemplo, pelo critério de universidade que eles possuíam.” (LEIRNER, 2003,p. 3).

Contudo, devemos lembrar que após anos de ditadura militar no Brasil, o capital simbólico que investia a profissão foi reduzido, como mostram os depoimentos de cadetes dos anos 30 e 40, hoje oficiais aposentados com longa carreira militar:

 O cadete era bem recebido em qualquer parte do Brasil... nós íamos fardados em todos os lugares – fardados com muito orgulho. Éramos convidados...aquelas festas de fim de ano, formaturas, éramos convidados para tudo. No nosso tempo [...] você saia fardado pra rua, você era respeitado. A menina fazia questão de namorar um cadete. Hoje, se você é cadete, ela te joga pro lado!...Eu peguei ainda a época em que o cadete era muito bem recebido...Agora, o mundo mudou. O mundo mudou (CASTRO,2004, p. 136).

A construção de um estilo de vida próprio através das escolas de formação: o habitus e o ethos militar.

O estilo de vida imposto aos agentes quando ingressam na carreira militar não é incorporado facilmente. É necessário um complexo trabalho que irá formar o habitus e o ethos militar, que possui características específicas da instituição FFAA e foge aos padrões usuais da sociedade civil. Há também uma distinção na formação do habitus e do ethos de oficiais e praças, algo que será refletido na interação destes com a instituição e com o mundo que os rodeia, ou seja, os “defora”.

Ao ingressarem nas fileiras do Exército, os agentes sofrem um choque cultural e passam por um processo de socialização que resultará na incorporação do habitus da classe militar e na produção da filiação dos indivíduos a esta classe.
Dentre aqueles que vêm de família militar o choque é consideravelmente menor pois parte significativa deste habitus já foi incorporada pelo individuo graças ao processo de inculcação familiar e escolar. O conceito de habitus é central nesta discussão por permitir a compreensão da maneira pela qual os indivíduos se tornam agentes sociais. De acordo com Bourdieu (2009, p. 88),

Os condicionamentos associados a uma classe particular de condições de existência produzem habitus, sistemas de disposições duradouras e transponíveis, estruturas estruturadas dispostas a funciona como estruturas estruturantes, isto é, como princípios geradores e organizadores de práticas e representações que podem ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo sem supor a visada consciente dos fins e o controle expresso das operações necessárias para atingi-los, objetivamente “reguladas” e “regulares”, sem ser em nada o produto da obediência a regras e sendo tudo isso, coletivamente orquestrada sem ser o produto da ação.

Sendo assim, a socialização se faz efetivamente quando os indivíduos adquirem disposições que passarão a serem compreendidas como evidentes, naturais, fazendo com que os agentes ajam de determinada maneira sem necessidade de lembrar explicitamente das regras que precisam seguir. Num estudo sobre o período de adaptação dos ingressantes na Academia Militar deWest Point, nos EUA, que dura 6 semanas e visa chocar os indivíduos com a vida militar, de forma que só aqueles com certeza de sua decisão de entrar para a vida militar permaneçam na Academia, Masland e Radway (1957, p. 199) afirmaram que

O próprio termo (beast barracks6) sugere que se trata de algo como um tratamento de choque destinado a impressionar o novo cadete com a ruptura que ele efetuou em relação à vida civil, a erradicar quaisquer hábitos desleixados que ele possa ter adquirido, a dar-lhe a confiança que provém do enfrentamento e da conquista de uma dureza apropriada, e a uni-los estreitamente a seus companheiros submetidos à mesma experiência.

Desta forma, só após esse choque cultural o indivíduo é considerado apto para o ingresso na carreira.

O habitus contém em si o ethos, variável importante para compreendermos melhor esse processo de socialização militar, e que corresponde a normas e valores morais que regulam a conduta cotidiana de maneira inconsciente. Dentre os militares do exército podemos afirmar que o ethos sofreu pouquíssimas mudanças com o passar dos anos, demonstrando o conservadorismo da instituição pois este conservadorismo, por sua vez, possui importância na permanência e reprodução da instituição.Uma das características mais acentuadas na instituição neste sentidoé a necessidade da comprovação da virilidade, acompanhada de uma homofobia7, como percebemos na fala de um cadete do 3º ano da AMAN, onde o foco principal do discurso seria a autonomia e desprendimento necessários para que o indivíduo seguisse a carreira militar, mas que aparece investido de uma concepção moral do que é ser militar ou ainda “homem”.

Aqui na academia é lugar para homem, não é lugar para criança, nem viadinho. Então o cara quando vem pra cá...pô, o cara que quer virar homem de qualquer maneira. Eu cheguei aqui acostumado à comidinha da mamãe, roupa passada, roupa lavada...Eu cheguei aqui e tive que me virar, pô, entendeu? (CASTRO, 2004,p. 33).

As divisões entre civis e militares, principal par de oposição dentro da instituição, coloca a homologia apresentada no Quadro 1, na página seguinte, sempre expondo o ethos militar, todos os valores morais da instituição. A hexis corporal do militar (em resumo, as posturas, disposições do corpo e relação com o corpo) é outro ponto importante de atentarmos. Injunções sérias dirigem-se ao corpo, afinal, diferenças entre civis e militares são inscritas nestes,

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6 Em inglês, termo que denomina o período de adaptação.
7 Sobre este tema ver D’Araujo (2003).


de forma que a instituição sente necessidade de ensinar o que é ser um militar,
algo que tem início com a mudança na vestimenta (a adoção da farda), o corte de cabelo (muito curto) e que inclui aprender a ser “homem”, aprender a maneira de falar, de andar, de se comportar e até mesmo de dirigir o olhar a outrem própria do militar.

Dentro do campo dos militares, as disposições corporais são de extrema acuidade. O corpo dos militares é parte dos seus pertences de trabalho, tão importante quanto o seu armamento. O corpo de um militar é sempre passível de exposição, de ser posto em xeque, em perigo e ao risco da morte, motivo pelo qual eles são obrigados a levar o mundo em que vivem (com todos os seus treinamentos e simulações) com seriedade:

Você vai dar um tiro de 13 km, por exemplo. Então, um milionésimo que você altera ali na manivela de direção pode dar uma diferença de 500, mil metros lá na frente. Ou seja, pode errar o tiro ou, o que é pior, acertar em tropas do seu próprio exército (CASTRO, 2004, p. 63).

O corpo do militar está fortemente investido na relação dele com o mundo, de pertencimento ao mundo, sendo obrigado a sofrer modificações em favor desta relação. Os militares aprendem pelo corpo; e por ele é possível enxergarmos a ordem social da qual fazem parte, afinal atributos físicos (e morais) distinguem e tornam reconhecíveis os militares mesmo quando eles não estão fardados, ou seja, mesmo quando estão destituídos da marca mais visível da corporação. A declaração de um cadete da AMAN ilustra com precisão o que pretendemos dizer:

 E a gente tava de férias, eu tava meio barbudo. Tava na estrada há cindo, seis dias e, onde a gente passava, o pessoal: ‘vocês são militares, tão vindo de onde?’. Quer dizer, apesar do cabelo grande e de estar todo desfigurado, de short e suado, a pessoa percebia. É pelo modo de falar, de se trajar, de se postar (CASTRO, 2004, p. 41).

A disciplina, um dos pilares no qual a instituição está firmada, normaliza os agentes, expulsa o ser existente antes naquele corpo para lhe dar uma nova fisionomia: a da instituição. O corpo do militar deve ser útil, submisso, funcional para a instituição a que ele serve.

O soldado é antes de tudo alguém que se reconhece de longe; que leva os sinais naturais de seu vigor e coragem, as marcas também de seu orgulho: seu corpo é o brasão de sua força e de sua valentia; e se é verdade que deve aprender aos poucos o ofício das armas – essencialmente lutando – as manobras como a marcha, as atitudes como o porte da cabeça se originam, em boa parte, de uma retórica corporal da honra. (FOUCAULT, 2002, p. 117).

Para tanto, a disciplina age no corpo físico e no aspecto político, gerando seres que obedecem ao conjunto de regulamentos que regem a conduta do militar, impondo-lhes obrigações, limitações e proibições, dentro da lógica da dominação, já que os corpos disciplinados são submissos e, à medida que as forças físicas aumentam, a política diminui (FOUCAULT, 2002).

As regras de comportamento, inculcada desde a entrada do estudante na academia militar (em alguns casos nos colégios militares), visam formar um saber-fazer próprio das Forças Armadas, onde a utilização da violência é uma das exigências objetivas. Para tanto, as atividades físicas ocupam parte significativa do cotidiano do novo militar, com a realização de exercício, ordens unidas e treinamentos de rituais, em especial daqueles que estão nos primeiros anos da carreira.

Durante a adaptação as aulas ainda não começara e o dia é ocupado com muita “ordem unida” (treinamento coletivo de marchas, continências e posturas militares), educação física, instruções sobre os regulamentos. (CASTRO, 2004, p. 19).

Todavia, devemos lembrar que essa rotina e o enclausuramento8 é também uma tática antideserção; tenta (com sucesso) anular os efeitos da liberdade demasiada que propicia o surgimento de desertores e questionadores, facilitando a “domesticação” através da disciplina. Por isso os indivíduos são sempre monitorados; as presenças e ausências são conhecidas, o comportamento de cada um é detalhadamente reportado em fichas que os acompanharão durante toda a carreira militar; os méritos e deméritos são medidos, a coerção acontece por toda parte, durante toda a vida militar.
Muitos ritos são inseridos no cotidiano do militar, a fim de facilitar o desenvolvimento do habitus próprio, algo indispensável para a existência dentro do campo militar. Estes ritos da instituição

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8 Entre os militares das três Forças é obrigatório a permanência nas Academias durante os quatro ou cinco anos de formação do oficial, sendo liberados apenas os finais de semana e quando não ocorrerem eventualidades. Os alunos do 1º ano passam por um período de adaptação de 1 mês que inclui a permanência na Academia inclusive nos finais de semana. Para os sargentos que estão sendo formados na EsSA, o regime é de internato.



Constituem apenas o limite de todas as ações explícitas pelas quais os grupos trabalham para inculcar os limites sociais, ou, o que dá no mesmo, as classificações sociais, e naturalizá-las sob a forma de divisões corporais, a hexis corporal, as disposições, das quais se sabem serem tão duráveis como as inscrições indeléveis da tatuagem, e os princípios coletivos de visão e de divisão (BOURDIEU, 2001, p. 172).

Dentre os ritos, encontramos aqueles que fazem parte do cotidiano, e outros,trabalhados e ensaiados durante os anos de curso, que servem para simbolizar o fim de um período. Todos os dias os cadetes devem, após o café, às 6:40, estarem prontos para a formatura geral, por exemplo, indicando que o dia começou. Outra solenidade ritual acontece após o período de adaptação e a matrícula, onde os novatos fazem a entrada pelo Portão Monumental (no caso da AMAN), que separa física e simbolicamente a Academia do mundo exterior9. Neste exemplo, o passar pelo portão simboliza a primeira vitória do cadete dentro da instituição, pois apenas os que não desistiram no período de adaptação o transpuseram.
Muitos outros ritos estão presentes no cotidiano militar, entretanto, nas solenidades como eventos de entrega de diplomas, formaturas e mesmo em dias especiais tal qual a proclamação da República, os rituais adquirem novo significado, pois são marcas distintivas da instituição, cada um deles é como um “emblema feito gesto” (PINTO, 1975, p. 20).

A mobilidade social entre os militares do exército: o papel do habitus na reprodução social

 O habitus é um forte fator de reprodução social. Indivíduos portadores do mesmo habitus agem de maneira semelhante mesmo sem perceberem tal fato. Assim, a escolha do cônjuge, da profissão, do carro, do partido político, dentre tantas outras, demonstram um “gosto pessoal” que pouco possui de individual, pois foi “imposto” pelo habitus de classe, reproduzindo, como centenas de indivíduos portadores do mesmo habitus, a ordem social anterior à sua escolha, e garantindo coerência e unidade às práticas coletivas.
Estudos anteriores revelam uma forte tendência de reprodução social entre os militares da patente de oficias, através do recrutamento endógeno no campo. Castro (1993) utilizando arquivos da própria instituição militar, constatou que a quantidade de filhos de militares cursando a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) é alta e vem crescendo (21,2% entre os anos de 1941-3; 34,9% entre 1962-6; 45,4% entre 1987-9).

Mas as estatísticas também revelam uma outra faceta da carreira, que é a possibilidade de ascensão social através do Exército, pela garantia de um serviço público vitalício. Dentre os filhos de militares que ingressaram na carreira das

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9 Do lado de fora do portão está a inscrição “entrada dos novos cadetes” e do lado do oposto, pelo qual os alunos passarão ao terminarem os 4 anos de estudos, está escrito “saída dos novos aspirantes”.



Armas no ano de 1970, 28,5% eram filhos de oficiais superiores e 72,5% eram filhos de oficiais subalternos e praças; em 1985, 31,9% eram filhos de oficiais superiores e 68,1% de oficiais subalternos e praça e, por fim, entre os anos de 200-2002, 41,9% dos ingressantes eram filhos de oficiais superiores e 58,1% de oficiais subalternos e praças. Tais estatísticas indicam uma mudança no perfil já que o recrutamento endógeno ganhou força dentro de uma “casta” (os oficiais) que, pela melhor condição social, optavam por dar aos filhos educação em escolas civis. Entretanto, a mudança não é bem vista pelos oficiais mais velhos, que acreditam ser esta “mistura” de habitus dos oficiais e dos praças, bem como de indivíduos vindos das classes menos abastadas da sociedade, um fator de diminuição do “espírito militar” que podemos entender como do habitus, ethos e hexis militar e ainda, do capital simbólico:

Eu tenho uma dúvida dentro de mim: se essa doutrinação que se faz, se essa educação moral que se prega vai mudar a mentalidade que ele (recém-ingresso não filho de militar e vindo de classe baixa) traz do berço, da formação, de subir de qualquer jeito [...]. Isso pode trazer alguma deturpação nesse espírito que se tenta (CASTRO, 2004, p. 137).

Como notado pela fala acima reproduzida, a “mistura” entre civis e militares não é bem recebida em especial para os militares mais velhos, que batalhampela reprodução do recrutamento endógeno e, portanto, pela manutenção do habitus de classe e da reprodução social. Abaixo o excerto mostra que, mesmo quando recrutados entre os integrantes da instituição – em especial entre praças e oficiais subalternos - há ressalvas, dado o habitus de classe diferenciado, já que estes ocupam o extrato mais baixo na cadeia hierárquica do Exército:
Havia – um conforto para nós – havia muito filho de militar. Mas quando você vai ver, a maioria é filho de oficiais subalternos.. . Então isso é uma preocupação [. . . ] . É uma proletarização violenta...de uma classe que tem que ter um valor moral-ético muito forte. Tem que ser exemplo! [. . . ] (CASTRO, 2004, p. 137).

Por esta maneira de pensar que muitos militares passam a inculcar em seus filhos o “gosto” pela carreira das Armas, desde a mais tenra idade. Assim para muitos destes futuros oficiais, a educação primária, recebida no ambiente familiar, já se encarregou da produção de um habitus primário que corresponderá, em grande medida, ao habitus do campo militar. Os esquemas de percepção e de ações transmitidos pelos pais militares serão reforçados com a entrada do estudante na academia militar. A exterioridade interiorizada pelo convívio familiar é, no mínimo, semelhante à que o cadete encontrará na instituição.

Este fator facilita a adaptação do indivíduo na vida militar e muitas vezes é o que define a escolha profissional do filho de militar, afinal, ele tende a perceber o mundo em função do seu habitus primário, de maneira que as disposições adquiridas em seguida influenciam a aquisição de novas disposições. É desta forma que muitos filhos de militares chegam às academias alegando serem dotados de “vocação” para o exercício militar; “histórias como ‘desde pequenininho sempre gostei dessas coisas’ padronizadas” (CASTRO, 2004, p. 38). Mas existem ainda aqueles que, dada a “ordem ordinária das coisas” impõe esta escolha, seja pelas condições materiais de existência, pela violência simbólica ou pelas “surdas injunções”. O indivíduo é muitas vezes pressionado pela família para seguir o caminho do pai, como exemplifica o excerto retirado do texto de (CASTRO, 2004, p. 38): “não sei se algum cadete já comentou com você. . . a pior pressão é a de casa”.

O habitus escolar, no caso daqueles que tem origem em família militar e cursam o colégio militar, contribuem mais ainda para que a escolha pela profissão seja realizada no seio das Forças Armadas. Podemos dizer que, em tais casos, não há grandes chances de que o indivíduo venha a escolher uma carreira civil, pois o habitus, não obstante ser uma estrutura interna passível de reestruturação, é cumulativo, ou seja, os habitus mais antigos condicionam as aquisições recentes, de forma que cada nova disposição adquirida se soma a um conjunto já existente, gerando um só habitus. Estudos anteriores mostram que 37,3% dos alunos matriculados no primeiro ano do AMAN entre 1980 e 1990 eram oriundos de colégios militares, 46,6% haviam cursado a Escola Preparatória de Cadetes do Exército (ExPCEx), 1,5% vinham do Colégio Naval e da Escola Preparatória de Cadetes das Armas (EPCAr)10.

O habitus passa a impressão de escolha nas representações e práticas (quando na realidade o agente, ao “escolher” está apenas mobilizando o habitus em que foi moldado), de forma que aquilo que muitos dos militares classificam como “vocação” ou livre escolha não deixa de ser habitus de classe incorporado e transformado em prática. O habitus de classe garante, consequentemente, que os indivíduos façam suas escolhas dentro de um leque de opções dado de maneira a garantir a perpetuação das relações objetivas entre as classes. Não obstante as observações acima, devemos lembrar que as práticas e representações dos agentes não são totalmente determinadas pelo habitus, pois eles são capazes de realizarem escolhas, ainda que não totalmente livres, já que estas são orientadas pelo habitus. No caso dos militares, a desistência da carreira após o ingresso é difícil e depende em grande medida da aprovação e apoio familiar, sendo que este apoio nem sempre existe:

É incrível, você chega em casa contando assim: ‘tô pensando em sair, não aguento mais...’, Vem tio, tia, avô, avó, até parente que você quase nunca tá em contato dizer pra você: ‘Não, fica lá que...’. Foi o que aconteceu comigo. Eu realmente tava pensando seriamente em sair (CASTRO, 2004, p. 38).

Portanto, a reprodução social desta elite é desejada pelos próprios agentes da instituição.

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10 A idade média de ingresso nas escolas são, respectivamente, 10-11 anos, nos colégios militares; 14-15 anos nas escolas secundárias (como a ESPCEx) e 17-19 anos na AMAN. Ver Castro (1993).



Considerações Finais

Neste trabalho procuramos mostrar o processo de produção e reprodução do habitus militar, categoricamente importante para a constituição do estilo de vida destes profissionais. Vimos a importância das estruturas familiares e escolares na formação do habitus e como a inculcação das regras da instituição conseguem normalizar os agentes.
As regras do campo militar, dentre as quais destacamos a obediência à hierarquia e à disciplina, agem como formadores do habitus coletivo e distinguem os civis dos militares. A importância do ethos, que institui normas e valores morais é destacada por garantir a regularidade da conduta cotidiana dos militares. Com relação à hexis corporal, tentamos demonstrar como é o processo de sua construção e a importância que ela adquire na vida militar, já que este precisa, logo ao entrar na Academia, aprender a “ser” militar, o que inclui uma maneira específica de andar, falar, se vestir, cortar os cabelos e se dirigir a outrem. Buscamos ainda demonstrar como a reprodução da distinção hierárquica entre oficiais e praças é inserida tanto na formação do habitus quanto do ethos de cada uma destas “castas” e quais são os reflexos desta distinção no estilo de vida de cada um.
A relação dos militares com seu corpo, tido como um instrumento de trabalho, também foi explorada, procurando demonstrar que os habitus se inscrevem também neste corpo que, disciplinado, é útil e valioso, além de ser um distintivo entre eles e os civis. Os ritos aos quais os militares estão sujeitos diariamente, como dito no texto, são tidos como a situação-limite ao qual os limites e as classificações sociais são naturalizados sob forma da hexis corporal, que por sua vez agirá de forma a transformar e naturalizar a visão de mundo dos militares e a divisão entre estes e os civis; além de estabelecerem a distinção, dentro da caserna inclusive, entre os que passaram ou não por ele.
O texto abordou o papel do habitus na reprodução social, que, como vimos, é incitada pelos militares. A vocação, sempre tão aclamada pelos que seguem carreira de nível superior nas Armas acabou revelando-se, afinal, produto de inculcações, disposições adquiridas anteriormente, seja no seio da família ou das escolas, mostrando-nos como o habitus age de forma inconsciente transmitindo a falsa impressão de escolha racional dos indivíduos.
Por fim, concluímos que cada militar, em especial os oficiais, é, na verdade, variante de um habitus de classe que tende a se reproduzir através dos recrutamentos endógenos, o que explica a forma homogênea de agir e pensar de todos os que pertencem (ou pertenceram) a esta classe.

Referências:

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BOURDIEU, P. Meditações pascalina. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2001.
. O senso prático. Trad. Maria Ferreira. Petrópolis: Vozes, 2009. CASTRO, C. A origem social dos militares: novos dados para uma antiga discussão. Novos Estudos Cebrap, n. 37, p. 225–231, 1993.
. O espírito militar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. D’ARAUJO, M. C. Pós-modernidade, sexo e gênero nas Forças Armadas. Security and Defense Studies Review, v. 3, n. 1, Spring 2003.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2002.
LEIRNER, P. C. Profissão militar, estado e democracia: uma discussão concietual. In: ANPOCS (Ed.). Anais... Caxambú: ANPOCS, 2003. 27º Encontro Anual da ANPOCS. Disponível em: <http://www.anpocs.org/portal/index.php?option= com_docman&task=doc_download&gid=4257&Itemid=316>. Acesso em: 22 ago. 2014.
MASLAND, J.; RADWAY, L. Soldiers and schools: military educations and national policy. Princenton: PUP, 1957.
PINTO, L. L’armée, le contigente et lês classes sociales. ARSS, n. 3, p. 18–41, 1975.
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Sa

ILHÉUS /BAHIA: TERRA DA GABRIELA, PERIFERIAS, GUETOS E FAVELAS (EMANUELA PEREIRA CORREIA PASSOS)

“A desigualdade espacial é produto da desigualdade social. ”
 (Ana Fani Alessandri Carlos, 1997, p.23)


  A cidade de Ilhéus e as disparidades socioespaciais

Fundada em 1536 como capitania São Jorge dos Ilhéus e elevada à categoria de cidade em 1881, Ilhéus, localizada no litoral sul da Bahia, é conhecida na mídia nacional e internacional, através dos romances de Jorge Amado como a terra da Gabriela, e traz em sua história o ranço da escravidão e exploração da lavoura cacaueira. De acordo com José Nazal Soub (2013), a cidade era uma capitania que foi doada através de uma carta da Coroa portuguesa para Jorge de Figueiredo Correia em 26 de junho de 1534. Com o fim do sistema de capitanias, as terras brasileiras voltam às mãos do governo português e em 28 de junho de 1881 a vila de São Jorge dos Ilhéus é emancipada como cidade, sancionada pelo presidente da Província da Bahia Marques de Paranaguá através da lei 2.187[1].
Ainda na Brasil colônia, os portugueses trouxeram o manejo do cultivo da cana de açúcar, pois os mesmos já dominavam o comércio internacional. Em Ilhéus o Engenho de Santana que surgiu de uma sesmaria em 1537 era considerado um modelo econômico da Capitania, contudo, explorava a mão de obra escrava de forma desumana. O cultivo do cacau ocorreu de forma lenta, mas gradualmente vai tomando proporções grandiosas e passa ser o forte potencial econômico do sul da Bahia, contribuído com mais de 40% do PIB do Estado durante várias décadas.
A lavoura do cacau descreve a história desse município, um espaço produzido e reproduzido pelo e para o cacau, fruto que estabeleceu a ordem econômica e social de Ilhéus por longa data, uma vez que,
O forte apelo econômico da lavoura cacaueira fez com que as fazendas de cacau se multiplicassem rapidamente, resultando no estabelecimento de imensas plantações e fazendas que se espalham por toda região.  A cultura do cacau extrapolou as fronteiras e foi rapidamente absorvida pelo mercado externo, tornando-se a base econômica do Sul da Bahia. (MOREIRA, 2011, p. 43)

Marcada pelo coronelismo, Ilhéus tem em sua história os resquícios da escravidão e carrega em sua estrutura urbana as marcas das desigualdades sociais, fruto de uma época em que os coronéis do cacau mantinham a concentração de grandes riquezas e possuíam grande influência política, utilizando o poder para dominar e explorar a classe trabalhadora. 
A produção do cacau estimulou a concentração da riqueza na região, incitou a exportação e importação para padronização europeia da cidade. Observa-se que a estrutura arquitetônica da cidade possui elementos característicos da Europa, como casarão fundado em 1909 onde atualmente funciona a Prefeitura Municipal de Ilhéus.





[1] Lei 2.187 de 28 junho de 1881, a Vila de São Jorge dos Ilhéus foi elevada à categoria de cidade. em: <http:www.camara.ilheus.ba.io.org.brhistoria> Acesso em 02 janeiro 2017

Foto 1: Palácio Marques de Paranaguá fundado em 1909. 

    Foto: Correia, Emanuela.

De acordo com Moreira (2011) o cultivo do cacau estimulou o crescimento econômico de todo sul da Bahia tornando-se o primeiro produto a ser exportado do Estado da Bahia, pois “a cultura do cacau extrapolou as fronteiras e foi rapidamente absorvida pelo mercado externo, tornando-se a base econômica do sul da Bahia.” (MOREIRA, 2011, p.51). 
A lavoura do cacau impulsionou o crescimento urbano da cidade: ainda no século XIX, houve um crescimento populacional, estimulado pela chegada da luz a querosene e pelo fortalecimento da lavoura cacaueira, que alimentou a economia e o crescimento demográfico do município de Ilhéus no século XX.
A lei de terras de 1850, já citada nesse trabalho, estabeleceu qual tipo de classe social teria direito à propriedade de terra, pois a lavoura cacaueira, devido ao grande valor econômico, estabeleceu o preço comercial da terra em Ilhéus com altos valores, fazendo com que as fazendas de cacau fossem as mais caras do Estado da Bahia. Contudo, para os pobres só restavam o trabalho nas lavouras cacaueiras e a exploração da sua força de trabalho, o que impulsionou a migração de trabalhadores rurais e comerciantes e o crescimento populacional na cidade, chegando à década de 1920 com a população estimada em 64 mil habitantes (MOREIRA, 2011, p.52). Observa-se,
                                                        
O comportamento da população regional demonstra que a taxa de crescimento de Ilhéus e municípios da região varia de acordo com o desempenho da economia regional. O cacau constituiu importante atrativo para ocupação da mão-de-obra no meio rural. Um predicado marcante da cacauicultura consiste na capacidade de fixação do homem à atividade. Dados da CEPLAC (1985) indicam que a lavoura já se revelou capaz de absorver 200 mil trabalhadores. (SANTANA et. al., 2014, p. 09)

No início do século XX Ilhéus, considerada um grande potencial econômico, passa por uma transformação na sua estrutura urbana aplicando na sua arquitetura característica de um modelo europeu copiando em um tom de cidade abastada um modelo elitizado de cidade que influenciava o modo de vida da sua população. Gilsélia Moreira assinala que,
Enquanto o cacau impulsiona o crescimento socioeconômico de Ilhéus, novos equipamentos urbanos, eram implantados na cidade (Calçamentos das ruas, ajardinamento das praças, entre outros). Esse aparelhamento não tinha apenas uma conotação de novidade. Eles implicavam em transformações, não só da morfologia espacial, mas, principalmente, do modo de vida da população.
 (MOREIRA, 2011, p.54)

O espaço urbano era um ambiente que circulava pessoas de diversas classes sociais, mas, principalmente, era um local marcado pela presença dos coronéis do cacau que nas praças reuniam-se para discutir o preço do cacau e conversar sobre o progresso urbano e econômico da cidade. Nesse contexto de cidade, a zona urbana era um ambiente que já havia um alto valor de imóveis e especulação imobiliária ainda no século XX, sendo que a concentração do pobre ocorria na zona rural, local onde era vendido com baixíssima remuneração e péssimas condições de salubridade a sua força de trabalho nas lavouras cacaueiras, que sustentavam a economia do município e a vida regalada das famílias dos coronéis.
Dessa forma, o espaço urbano foi e segue sendo dividido em locais para ricos e locais para pobres.  De acordo com Moreira (2011), muitas obras de infraestrutura foram realizadas em Ilhéus na década de 40, mas não teve a preocupação com o aspecto da moradia, fato que agravou o déficit de moradia para população de baixa renda ainda na década de 40, período em que surgiu a primeira favela de Ilhéus, às margens do rio Itaconoeira, hoje conhecida como Avenida Princesa Isabel. Gilsélia Moreira esclarece que,
A necessidade de onde e como morar pelos pobres da cidade não só contribuiu no processo de expansão urbana, mas também criou um novo espaço em Ilhéus: um espaço segregado, cuja população sem-terra e sem teto para sobreviver ocupou “um pedaço de chão” nas áreas mais enecumenas da cidade. Presenciava-se a reprodução de uma parte da cidade, cuja paisagem já alertavam para as desigualdades produzidas pelo acúmulo do capital nas mãos das elites (MOREIRA, 2011, p. 77)


A Avenida Princesa Isabel, ocupação em área de manguezal que surgiu em 1940, é considerada a primeira favela de Ilhéus. Fruto de um agravamento do déficit de moradia e das desigualdades sociais estabelecidas ainda na década de 40, que já apontava uma hierarquização de lugares.  Após sete décadas o bairro da Avenida Princesa Isabel continua sendo um dos bairros do município que apresenta um dos maiores níveis de desigualdade, pobreza e déficit habitacional alarmante e crescente ocupação irregular nos morros.


 Foto 2: A imagem acima mostra a Avenida Princesa Isabel, em Ilhéus, na década de 1950. O autor da foto é desconhecido. O documento faz parte do acervo digital do memorialista José Rezende Mendonça, funcionário aposentado da CEPLAC.
Assim, a cidade de Ilhéus se desenvolveu através da lavoura cacaueira estabelecendo riquezas para a classe dominante que possuíam os meios de produção e o direito de propriedade de terra apossando-se da exploração da força de trabalho dos trabalhadores rurais pobres. Contudo, a década de 50 surpreende a todos os ilheenses, principalmente, os coronéis do cacau que tiveram suas lavouras surpreendidas pela vassoura de bruxa[1] o que desestabilizou a economia do município que era baseado no cultivo do cacau conhecido como o “ouro” do sul da Bahia. Com a crise do cacau ocasionada pelo fungo, muitos agricultores ficaram endividados e o ritmo da cidade mudou de forma brusca. Observa-se que,

A catástrofe econômico-financeira do produtor de cacau resultou em abandono de fazendas, entregues por vezes aos operários em troca dos direitos trabalhistas. Neste período, despontou a parceria, uma espécie de relação “pré-capitalista”, que envolve proprietários, gerentes trabalhadores, forma-se assim uma falsa sociedade, reparte minguado produto gerado, gerando uma submissão imposta pelas precárias condições econômicas vivenciadas por estes segmentos sociais no estreito mercado de trabalho. (SANTANA et al, 2014, p. 06)

De acordo com estudos de Gilsélia Moreira (2011) a crise da lavoura cacaueira estabeleceu uma segregação urbana no município de Ilhéus. Os trabalhadores rurais migraram para zona urbana em busca de novas oportunidades de trabalho e sem moradia, ocuparam lugares insalubres onde eles mesmos construíram a sua moradia. Os anos 90 foram marcados pelo declínio do cacau na região, o que caracteriza, nesse período, um intenso fluxo migratório da zona rural para urbana, o que gerou ocupações em áreas de manguezais. Nessa época surge no município ocupações no bairro São Domingos, na Rua do Mosquito, Mambape e no Teotônio Vilela. Especificamente, no caso da ocupação do bairro Teotônio Vilela se constata uma migração intraurbana.  Verifica-se que,

[...] a ocupação das áreas periféricas está relacionada tanto a movimentos migratórios intraregião como interurbano. Em comum, temos a dificuldade da população, tanto que sai do campo em função da crise cacaueira quanto a que se migra internamente na cidade, em ocupar as áreas mais urbanizadas já que os altos custos dos alugueis, bem como o preço dos solos urbano é um impeditivo para possibilidade de ocupação desses lugares.
                                                                               (MOREIRA, 2011, p. 83)
 
É notável que existam ocupações irregulares em toda faixa de manguezal em Ilhéus com total insalubridade, fato que corrobora para uma visível divisão de classe social no município com um crescente percentual de desigualdade social. Ermínia Maricato assinala que,
A segregação urbana ou ambiental é uma das faces mais importantes da desigualdade social e parte promotora da mesma. À dificuldade de acesso aos serviços e infraestrutura urbanos (transporte precário, saneamento deficiente, drenagem inexistente, dificuldade de abastecimento, difícil acesso aos serviços de saúde, educação e creches, maior exposição à ocorrência de enchentes e desmoronamentos etc.) Somam-se menos oportunidades de emprego (particularmente do emprego formal), menos oportunidades de profissionalização, maior exposição à violência (marginal ou policial), discriminação racial, discriminação contra mulheres e crianças, difícil acesso à justiça oficial, difícil acesso ao lazer. A lista é interminável. (MARICATO, 2003, p.153)

Com o declínio do cacau, a estrutura urbana de Ilhéus passou por significativas transformações, o centro que abrigava a elite cacaueira passou a ser um lugar marcado pelos aspectos da pobreza. “O centro aos poucos foi sendo apropriado por uma população de pedintes, meninos de rua e prostitutas. Com isso, passou a ter o estigma de lugar decadente [...] A elite que representava o poder se deslocou para outras áreas e o centro se desvalorizou” (MOREIRA, 2011, p.81).
Dessa forma, a especulação imobiliária em Ilhéus gera mudanças socioespaciais e ambientais, o centro passa a ser um lugar designado para o comercio local e crescem os investimentos imobiliários à beira mar destinados às elites, para os pobres, lavradores que migraram para zona urbana a única opção são ocupações irregulares em locais com péssimas condições de habitabilidade. Nesse contexto, o declínio do cacau, a maior fonte econômica da região, além de levar Ilhéus à estagnação econômica, aumentou os níveis de pobreza e polarização entre os ricos e os pobres e contribuiu para o crescente número de favelas no município.
  Nesse momento de estagnação econômica, o turismo passa a ser ressignificado como alternativa para recuperação econômica do município.  Dessa forma, Ilhéus passa por transformações em sua estrutura urbanística para viabilizar a exploração do turismo, estabelecendo uma apartheid social, com lugar para ricos e lugar para pobres.
Dessa forma é visível no município de Ilhéus um processo de gentrificação[2], especificamente, na zona sul da área urbana. O bairro do Pontal é um dos que tem um visível processo de transformação imobiliária, em que as casas foram substituídas por prédios que ressignificam o sentido de morar e estabelece uma especulação imobiliária que define o tipo de classe social pode residir no bairro. Nesse sentindo, é negado o acesso à moradia para a classe trabalhadora pobre, um bom exemplo é a Avenida Lomanto Junior que após um processo de gentrificação agregou um valor econômico absurdo aos imóveis, ficando os bairros periféricos, favelas e ocupações ilegais para camadas mais pobres da região.
 De acordo com Ermínia Maricato (2003) a ilegalidade relacionada à posse de terra é uma base para exclusão globalizada. Geralmente as favelas são frutos de ocupações ilegais em a maioria dos ocupantes vivem uma situação de exclusão social, sendo que a as moradias são marcadas pela falta de segurança, salubridade e fiscalização do poder público. É um cenário de precariedade e pobreza que mostra a realidade das moradias nas cidades brasileiras. No município de Ilhéus é visível nos bairros periféricos e favelas o cenário de pobreza e escassez de infraestrutura, segurança, salubridade e implementação de políticas públicas e sociais que tenham êxito. 
Nesse contexto, fica clara a situação de segregação socioespacial de Ilhéus, que traz em si uma ressignificação do espaço da moradia e os sentidos de morar. Reforçando o pensamento de Ermínia Maricato o significado da moradia apresenta diversas contradições que estão implícitas nas necessidades da ação humana em favor de uma vida coletiva em que existe uma produção de oposições em relação às diferentes classes sociais, seja de renda, capital social, cultural e linguístico condições materias de vida que estabelece uma desigualdade visível na estrutura urbana das cidades, principalmente, nos lugares de moradia.
Em uma sociedade de classes essa desigualdade socioeconômica estabelece um aphartaid social. No caso de Ilhéus, princípios éticos e morais não são levados em conta. A terra da Gabriela, famosa pela sua extensão litorânea, pelas novelas globais, pelos romances de Jorge Amado e exploração do turismo reservou seus guetos, periferias e favelas para a classe pobre e trabalhadora que desde os tempos de “ouro” do cacau, vendeu sua força de trabalho com péssimas condições de trabalho e sustentou a economia do município.
            

O bairro Teotônio Vilela e o Programa PAT-PROSANEAR

A crise cacaueira intensificou o processo migratório no município de Ilhéus. Lavradores e suas famílias saiam da zona rural para zona urbana em busca de novas oportunidades de trabalho, sem lugar para morar e com os altos preços dos alugueis, a única alternativa para se manter na cidade eram as ocupações irregulares, com maior concentração na faixa de manguezal.  Observa-se que,
Na década de 80, a lavoura cacaueira, que era forte impulsor do desenvolvimento regional teve três fortes golpes: o primeiro foi a queda do preço da tonelada do cacau devido ao aumento mundial da produção; o segundo fora a falta de investimento na lavoura; e o terceiro, e pior, fora a vassoura-de-bruxa que resultou na extinção em massa de milhares de empregos na região, ocasionando uma corrida da população para os dois principais centros urbanos do Litoral Sul da Bahia: Ilhéus e Itabuna.                      
                                                                       (SOARES et. al., 2012, p.01)
Os bairros da Avenida Princesa Isabel, Banco da Vitória, Mambape, Teotônio Vilela são alguns exemplos de ocupações irregulares. De acordo estudos de Moreira (2005), o bairro Teotônio Vilela, situado na zona oeste do município, é um tipo de ocupação intraurbana que recebeu ocupantes da zona rural, mas em sua maioria, pessoas do município que residiam em outros bairros e viviam em situação de déficit habitacional.
Com as desigualdades sociais acentuadas no município por conta do declínio da lavoura cacaueira e o crescimento do desemprego, houve um crescimento da população da favela, com altos níveis de pobreza.  De acordo com Moreira (2005), em 1969 as populações faveladas de Ilhéus viviam em extrema pobreza e não tinha condições de renda para participar dos programas habitacionais do BNH (Banco Nacional de Habitação).
Dessa forma, a Prefeitura Municipal de Ilhéus, na tentativa de amenizar o déficit habitacional da população pobre planeja um bairro para atender as necessidades habitacionais das pessoas de baixa renda e sem renda fixa. Surge o primeiro loteamento social da cidade:
[...] em 30 de janeiro dos anos de1980, através de Decreto nº 017, publicado no Diário Oficial nº 3.434, desapropriou-se uma área com 100.000 m², - antiga fazenda Gomeira. Essa área foi então loteada e várias famílias carentes receberam cada uma um lote, juntamente com um cartão de posse. É exatamente a partir daí que se inicia o processo de ocupação e produção do bairro Teotônio Vilela. No entanto, os moradores do bairro apresentam outra versão dessa história. (MOREIRA, 2005, p.9787)


O bairro Teotônio Vilela surge em 1980 de uma ocupação irregular na faixa de manguezal.  Moreira (2005) apresenta uma análise de fragmentos da realidade do bairro reconstruída pelos moradores do bairro. Situado na zona oeste, às margens do rio Fundão, o bairro é resultado de ocupações e invasões ocorridas em 1980. Segundo Soares et. al (2012), a partir de 1983 começam as edificações no bairro com casa e ruas sem nenhuma infraestrutura urbana ou ambiental, no período de 10 anos entre 1983 a 1993 o bairro alcançou crescimento de 570% de área construída.
De acordo com o censo demográfico de 2010 do IBGE atualmente sua população e total é de aproximadamente 45.000 habitantes distribuídos em cerca de 5.049 domicílios, espalhados por quatro zonas principais. Essa população vive, em sua maioria, em péssimas condições de vida, habitabilidade, infraestrutura urbana, mobilidade e segurança.










[1]“Doença causada pelo fungo Moniliophthora (=Crinipellis) perniciosa (Sotalhe), em condições climáticas favoráveis e na ausência de cultivares resistentes, esse fungo pode causar até 100% de perdas de frutos” (SANTOS et.al., 2007, p.1138).
[2] Consiste em uma série de melhorias físicas ou materiais e mudanças imateriais – econômicas, sociais e culturais – que ocorrem em alguns centros urbanos antigos, os quais experimentam uma apreciável elevação de seu status (BATALLER, 2012, p.01).


 Foto 3: Vista aérea do bairro Teotônio Vilela.


 Fonte: http://ecourbe.com.br/website

A história do bairro Teotônio Vilela tem uma versão bem diferente apresentada pelos primeiros moradores que ali chegaram. Segundo relatos do trabalho de Gilsélia Moreira (2005), com avançado déficit habitacional no município, a prefeitura loteou uma parte da fazenda Gomeira, cadastrou algumas famílias dando o cartão de posse, que foram entregues sem nenhum critério excluindo algumas famílias que se enquadrava no perfil de beneficiário e contemplando famílias que não necessitavam de moradia. Um fato importante de se destacar é que essa distribuição das terras ocorreu em época eleitoreira e foi considerado pela autora como manobra política.
Houve uma desorganização no processo de urbanização do bairro.  Pessoas que tinham o documento de posse de terra e não necessitavam de moradia vendiam a famílias carentes seus lotes. Também houve uma grande ocupação nos altos e faixas do manguezal, mesmo existindo várias tentativas do poder público local em impedir ocupações ilegais no bairro, a prefeitura municipal perdeu o controle e prometeu urbanizar toda a área ocupada. Contudo, o poder público municipal não priorizou as áreas periféricas do município e o Teotônio Vilela passou a se desenvolver de forma espontânea, com ocupações em altos e mangues, sem estrutura urbana, ambiental e habitacional.
Dessa forma, o bairro ficou, por várias décadas, esquecido por parte do poder público municipal, que só aparecia no bairro em épocas eleitorais. O desenvolvimento de ocupações em áreas de manguezais no bairro teve um crescimento acelerado e surgiu ocupações em seu em torno como a Rua do Mosquito e Floresta Bambuzal, sendo que partiu do próprio poder público local a iniciativa de aterrar o manguezal para extensão de terra e criação de terrenos consideradas novos lotes. Contudo, as ocupações nessas áreas são consideradas ilegais por estarem alocadas em área de preservação ambiental.
De acordo com Ermínia Maricato (2003) a produção da moradia tem sido, seja, nas metrópoles ou cidades médias do Brasil, um produto de subsistência que não é produzido via mercado de trabalho, mas que está ligado a uma série de fatores modernistas de construções e ocupações do solo, especialmente no ambiente urbano, corroborando para a ilegalidade de terra.
A ilegalidade relacionada à propriedade tem sido um motor da segregação ambiental e exclusão social, visto que os trabalhadores são excluídos do mercado imobiliário privado e não são atendidos por políticas públicas habitacionais, tento como única alternativa ocupações ilegais.  Ermínia Maricato assinala que,

A ocupação pela população pobre e o progressivo aterramento de mangues nas cidades litorâneas brasileiras é praticamente uma regra. Esse caminho combina a ausência de investimentos em programas habitacionais (a precária e lenta urbanização do mangue alimentará a relação clientelista durante muitos anos) e a preservação dos terrenos privados para o mercado formal. A ação do Estado, no Brasil, fornece exemplos frequentes nos quais o patrimônio fundiário privado merece mais cuidados que o patrimônio público como convém a uma sociedade patrimonialista como bem definiu Raymundo Faoro em sua obra Os donos do poder. A ocupação ilegal como as favelas são largamente toleradas quando não interferem nos circuitos centrais da realização do lucro imobiliário privado. Se, de um lado, o crescimento urbano foi intenso durante décadas, e o Estado teve dificuldades de responder às dimensões da demanda, de outro, a tolerância para com essa ocupação anárquica do solo está coerente com a lógica do mercado fundiário capitalista, restrito, especulativo, discriminatório e com o investimento público concentrado. (MARICATO, 2003, p. 159).

Vale lembrar, que o Estatuto da Cidade aprovado em 2001 sob lei n10.257/2001 que estabelece diretrizes e normas para regulação dos artigos 182 e 183 da constituição Federal de 1988 que trata da política urbana do país, dentre as suas diretrizes gerais implica que todos tenham direito à uma cidade sustentável com gestão democrática. Outro ponto de suma importância, é que municípios com mais de 20 mil habitantes, com interesse turístico e metropolitano crie o Plano Diretor Participativo, sendo estabelecido como lei municipal, aprovado pela câmara de vereadores, e que tem a função de política orientadora e ordenadora do desenvolvimento e da expansão urbana dos municípios.
Entretanto, o Plano Diretor Participativo do município de Ilhéus só foi aprovado em 2006 pela lei municipal n 3265 de 29 de novembro de 2006. Tal plano é considerado o principal instrumento da política de desenvolvimento urbano e ambiental de todo território municipal e implica a participação da comunidade em sua elaboração.
 O Plano Diretor Participativo de Ilhéus tem como princípio básico a distribuição igualitária de benéficos e ônus decorrentes de obras e serviços públicos para redução das desigualdades socioespaciais tendo como norma orientadora e ordenadora   favorecer o acesso à terra e à habitação para toda a população, estimulando os mercados acessíveis aos segmentos da população de baixa renda. Contudo, a Secretaria de Obras e Infraestrutura do município afirma que o Plano Diretor Participativo não atende as necessidades do município, por não levar em conta as características culturais e sociais da população, necessitando ser reformulado.
No caso do bairro Teotônio Vilela, a vasta ocupação ilegal na área de mangue, assim como nos altos do bairro acrescentou um aumento significativo da pobreza e desigualdade socioeconômica, o bairro cresceu descontroladamente. De acordo com o censo demográfico 2010 do IBGE o bairro é o mais populoso da cidade de Ilhéus e apresenta altos níveis de vulnerabilidade econômica e social. O déficit habitacional no bairro é alarmante e se tratando de políticas públicas sociais as intervenções ocorrem de forma lenta e com diversas contradições.
 O bairro Teotônio Vilela, reconhecido pela população ilheense como “Vilela” foi fundado em 1980 resultantes de ocupações e invasões. Com mais de 30 anos de fundação o bairro apresenta em sua infraestrutura urbana, precariedade das habitações, os serviços de mobilidade urbana ainda são muito deficitários, falta saneamento básico, segurança e áreas de lazer. Em 1990, primeira década de criação do bairro, os programas habitacionais no país passavam por uma série de transformações, fato já analisado no primeiro capítulo deste trabalho. As cidades interioranas e médias tinham muita dificuldade em implementar políticas públicas e sociais de habitação.
Decorrente da visível segregação social e ambiental no bairro “Vilela”, em 2005 é lançado um projeto de recuperação urbana e ambiental como parte do Programa PAT-PROSANEAR[1], do Ministério das Cidades e gerenciado pela Prefeitura Municipal de Ilhéus[2].
O Programa PAT PROSANEAR tem como principal objetivo a recuperação de áreas de preservação ambiental ocupadas por população de baixa renda, com a contemplação de projetos integrados de saneamento, como: abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo, sistema de drenagem, sistema viário, contenção de encostas, reassentamento de população e projetos complementares de equipamentos comunitários[3]. O PAT PROSANEAR é um programa do Ministério das Cidades e conta com investimentos do BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento).
O Projeto iniciou suas atividades sob a responsabilidade da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano – SEDU, da Presidência da República. Em 2003, com a mudança de Governo, a estrutura do PAT-PROSANEAR foi incorporada ao Ministério das Cidades, mais especificamente junto à Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental - SNSA. Fazia parte da estrutura organizacional do PAT-PROSANEAR, além do Ministério das Cidades, a Caixa Econômica Federal – CAIXA, ambos representantes da União, além dos agentes beneficiários: municípios, estados e o Distrito Federal, os prestadores de serviços de saneamento e o Banco Mundial-BIRD.
Na estrutura organizacional do PAT-PROSANEAR cabia ao BIRD disponibilizar os recursos financeiros, analisar e aprovar a documentação para contratação dos estudos, projetos e obras. Já ao Ministério das Cidades cabia constituir uma Unidade de Gerenciamento Nacional – UGP Nacional, com o objetivo de coordenar a execução do PAT-PROSANEAR. A CAIXA, agente operacional e financeiro do Programa, era responsável pela interação entre o Ministério das Cidades e os agentes beneficiários e pelo acompanhamento físico-financeiro da execução dos contratos; os agentes beneficiários, Estados e Municípios, constituíam as Unidades de Gerenciamento Local – UGP Local para supervisionar o desenvolvimento dos projetos e obras e eram responsáveis pela mobilização da contrapartida não monetária[4].
No caso do bairro Teotônio Vilela, foi elaborado um projeto de recuperação urbana e ambiental, como parte do programa PAT PROSANEAR, sob contrato com a Eco Urbe Concremat Engenharia, representada pela arquiteta Elisabeth Salgado membro da equipe chave do PAT-PROSANEAR e do seu sócio diretor Francisco Guilherme Salgado, desenvolveram o programa do bairro Teotônio Vilela em Ilhéus/Bahia no ano de 2005.

O projeto tinha como objetivo, em primeiro momento, construir um plano adotando a metodologia de Plano de Bairro, que se baseia no conceito de unidades mínimas chamadas de unidades de vizinhança que são pequenos bairros cuja população não ultrapassam aos cinco algarismos, e que se constituíram como células de uma ocupação residencial, tornando o principal agente a propiciar a vida coletiva[5].

A figura abaixo mostra como o projeto dividiu o bairro Teotônio Vilela em Unidades Ambientais de Vizinhança: 



[1] “O PAT PROSANEAR (Projeto de Assistência Técnica ao Programa de Saneamento para população em áreas de baixa renda) foi criado no ano 2000 e reformulado em 2005, tendo como principal objetivo apoiar Estados e Municípios na elaboração de planos e projetos integrados de saneamento, visando à recuperação ambiental de áreas degradadas ocupadas pela população de baixa renda” (CORDEIRO, 2009, p.89).
[2] Disponível em: <http: ecourbe.com.br/website/recuperacao-urbana-e-ambiental/donec-tempor-libero. > Acesso em 06 janeiro 2017.
[4] Disponível em: <http://www.consultaesic.cgu.gov.br/busca/dados/Lists/Pedido> Acesso em 15 janeiro 2017
[5] Disponível em:<http: ecourbe.com.br/website/recuperacao-urbana-e-ambiental/donec-tempo-libero /. >Acesso em 15 janeiro de 2017 

Figura 1: Unidades Ambientais de Vizinhança -UAV.



As Unidades Ambientais de Vizinhança (UAV) partiu o sistema viário do bairro composto pelas vias: Avenida José Carolino, avenida central e rua Belo horizonte e as barreiras naturais de mangue e morros complementam as definições da UAV.  O Plano de Bairro identificou o crescente número de moradias em áreas inadequadas como encostas e aterros sobre o manguezal, assim como, o crescente número de habitantes no bairro, fato ocorrido devido à crise econômica que a região enfrentava. Dessa forma, o plano abordou como proposta o reassentamento da população que ocupavam áreas de preservação ambiental e encostas, sendo levando em consideração a Lei 6766/79 do código do parcelamento urbano que leva em conta a preservação ambiental, devido as ocupações irregulares em áreas de manguezal estarem localizadas em Área de Preservação Permanente - APP, assim como propostas de saneamento, infraestrutura e mobilidade urbana.
Dessa forma, o Plano de Bairro para desenvolvimento do programa PAT PROSANEAR levou em consideração a LOMI (Lei Orgânica Municipal de Ilhéus) que estabelece a relação do meio ambiente na cidade de Ilhéus regida pela lei n° 313/89 que tem como principal objetivo:
A proteção, a recuperação e a melhoria da qualidade ambiental, visando compatibilizar o desenvolvimento socioeconômico com o equilíbrio ecológico e como princípios, o planejamento, a racionalização, a fiscalização no uso dos recursos ambientais, na proteção dos ecossistemas, das áreas ameaçadas de degradação, no controle das atividades poluidoras e na recuperação de áreas degradadas.(VIDAL, 2009, p.51)

Desde 2005, início da implantação do Programa PAT PROSANEAR no bairro Teotônio Vilela, o projeto de recuperação urbana e ambiental do bairro determinava, que a rua conhecida pela Prefeitura Municipal como Rua Floresta Manguezal, Rua do Mosquito e Favela do Bambu, regiões de moradia precárias, situadas na entrada do bairro Teotônio Vilela constituíam ocupações irregulares em aterro sobre o mangue, devendo seus habitantes ser removidos e reassentados no interior do bairro Teotônio Vilela. Vale lembrar que o bairro Teotônio Vilela é um grande bairro periférico e resultado, dentre outras coisas, de invasões e ocupações irregulares ocorridas a partir do final da década de 70 e durante os anos 80.
De acordo com Moreira (2005), a região é conhecida como a mais perigosa da cidade. Além disto, o local apresenta diversos problemas de infraestrutura, já que grande parte da população residente vive em péssimas condições de habitabilidade, fato que é acentuado pelo avançado estágio de degradação ambiental devido ao aterramento dos manguezais e desmatamento das encostas. 
No entanto, o programa PAT PROSANEAR teve a contrapartida de ações o plano de saneamento integrada no bairro, que impactou o bairro com significativas mudanças, como obras de pavimentação e saneamento básico em algumas áreas, principalmente nas avenidas, também estabeleceu a construção de 217 unidades habitacionais, em loteamento denominado Bosque Verde, localizado na zona norte do bairro Teotônio Vilela, que tem como principal objetivo o reassentamento das famílias que residem em áreas de preservação ambiental como a Rua do Mosquito e Favela do Bambu e altos do próprio bairro.  
            O programa PAT PROSANEAR passou por diversos problemas conjunturais como a restrição de crédito para investimento e tendências de privatizações no setor de saneamento, assim como a baixa capacidade de endividamento do município. O Programa recebeu auxílio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que investiu recursos financeiros para intervenção do programa no bairro, totalizando o valor de R$ 18.162.109,17, tendo, atualmente, 74% concluída. O loteamento Bosque Verde com as 272 unidades habitacionais, tem causado grande impacto social no bairro, mesmo ainda em fase de construção, apresenta diversas contradições e elementos que precisam ser analisados de forma imparcial.

 As contradições na implementação do loteamento Bosque Verde.
O Programa PAT PROSANEAR (Projeto de Assistência Técnica ao Programa de Saneamento para população em áreas de baixa renda) foi criado no ano 2000 e reformulado em 2005, “tendo como principal objetivo apoiar Estados e Municípios na elaboração de planos e projetos integrados de saneamento, visando à recuperação ambiental de áreas degradadas ocupadas pela população de baixa renda” (CORDEIRO, 2009, p.89). Foi um programa, que teve sua vigência até o ano de 2007, criado, especificamente, para intervenções em favelas, área onde se concentra parte da população de baixa renda.
Tal Programa estabelecia como diretrizes as seguintes metas: compatibilização das intervenções de saneamento, com as demais ações setoriais voltadas ao atendimento da população carente; definição de uma política tarifária que comtemple a recuperação dos custos e que seja transparente com relação aos subsídios praticados; adoção de técnicas que promovam ganhos de eficiência e redução de custos e participação da comunidade em todo o ciclo do projeto[1].
Para participar do programa era necessário que “os governos municipais ou estaduais interessados assinassem um acordo de cooperação Técnica com o Governo Federal e Submeteram a sua proposta à aprovação através de carta de solicitação” (DÉBORA CORDEIRO, 2009, p.139).  Para que o programa PAT PROSANEAR fosse concretizado no município de Ilhéus, especificamente, no bairro Teotônio Vilela esses critérios foram atendidos.
Para a materialização do Programa PATPROSANEAR sugeriu-se a implantação do Loteamento Bosque Verde, no interior do bairro Teotônio Vilela.No loteamento estão sendo construídas 272 unidades de habitação de interesse social para remoção de famílias que ocupam áreas de manguezal, localizadas próximo ao bairro e adjacências, regiões conhecidas pela população como " Rua do Mosquito" e Favela do Bambu".
 A obra para construção das habitações se arrasta por mais de dez anos e já teve várias paralisações e retomadas, assim como aplicações de novos recursos por parte do Governo Federal via Ministério das Cidades e conta com recursos que ultrapassam R$ 18 milhões que contou com a parceria do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), em conjunto com a Prefeitura Municipal de Ilhéus e com o Governo do Estado da Bahia.Mas, apesar de estar em tramitação há mais de 10 anos, o Loteamento ainda não foi entregue, nem concluído, estando, atualmente, com 70% da obra construída.




[1]  Retirado de   http://ecourbe.com.br/website  acesso em 10/01/2017.

As intervenções por parte do programa PAT PROSANERA no bairro Teotônio Vilela iniciaram suas atividades no ano de 2005 e tinha previsão para sua conclusão em 2007. Mesmo com apoio do PAC, o loteamento Bosque Verde, após doze anos de iniciada a obra, possui apenas 70% de obra construída. Esse loteamento tornou-se um grande problema para município, apresentando diversas contradições que impedem a implementação dessa política habitacional. Sendo assim, torna-se necessário uma análise sistemática dos impactos do programa no município.

De acordo com Carla Cunha (2006) as avaliações de políticas e programas governamentais são conduzidas pelo ponto de vista do programa, estando focado nos resultados propostos, não realizando uma análise sistemática dos seus impactos.
No campo de estudos de políticas habitacionais, a maioria das investigações estão focadas nas grandes cidades brasileiras, principalmente no eixo Rio-São Paulo, com pouco destaque para as moradias das periferias e favelas das cidades de médio e pequeno porte. Nesse contexto, é de fundamental importância analisamos as contradições inerente à implementação dessa política habitacional no bairro Teotônio Vilela e consequentemente, ao programa PATPROSANEAR. 
Desde o início do projeto, era consenso, por parte da comunidade que “participou[1] do Plano de Bairro, que as habitações do loteamento Bosque Verde seriam um reassentamento dos moradores da “Favela do Bambu” e “Rua do Mosquito”.
A rua Floresta Manguezal, reconhecida pela população ilheense como “Favela do Bambu” e a “Rua do Mosquito” são ocupações irregulares na faixa do manguezal, área de preservação ambiental permanente (APP), localizada às margens da Rodovia BR 415, próximas à entrada do bairro periférico Teotônio Vilela.

As casas da “Favela do Bambu” e “Rua do Mosquito” são construídas de tábua, zinco e bambu, caracterizando um ambiente insalubre com a total falta de infraestrutura, o que agride consideravelmente o ecossistema, com o lixo e os dejetos sanitários que são despejados diretamente no manguezal.  Atualmente, a soma da população das duas favelas é de, aproximadamente, 300 moradores, distribuídos em cerca de 180 domicílios.
As casas da “Favela do Bambu” e “Rua do Mosquito” são construídas de tábua, zinco e bambu, caracterizando um ambiente insalubre com a total falta de infraestrutura, o que agride consideravelmente o ecossistema, com o lixo e os dejetos sanitários que são despejados diretamente no manguezal.  Atualmente, a soma da população das duas favelas é de, aproximadamente, 300 moradores, distribuídos em cerca de 180 domicílios.



 Contudo, boa parte dos moradores, da “Favela do Bambu” e “Rua do Mosquito” que são beneficiários do Programa, recusam-se a sair de suas moradias na Favela para casas populares no bairro Teotônio Vilela, resistindo à remoção e mudança da Favela, não aderindo, assim, ao Programa Pat PROSANEAR e, consequentemente, à Política Nacional de Habitação (PNH), por fatores ainda não esclarecidos. No caso em questão, observa-se que o programa habitacional tem um efeito inesperado quando ofertado aos moradores e beneficiários dessas localidades, pois estes se recusam a aderir à política pública de Habitação de Interesse Social.

É importante esclarecer que o Programa PAT PROSANEAR tinha como meta:
Fortalecer as ações do Ministério das Cidades, mediante ações voltadas à revisão e implementação dos instrumentos técnicos, jurídicos e de monitoramento do desenvolvimento urbano; implementar a execução de obras, com recursos da união, provenientes de empréstimo junto ao Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD, sob a coordenação da UGP PAT PROSANEAR/SNSA e com a cooperação da CAIXA. O prazo previsto inicialmente para a implementação do Projeto era de 4 anos, com encerramento em 15/12/2004. Os recursos do PAT-PROSANEAR foram orçados inicialmente em US$ 49,3 milhões, sendo US$ 30,3 milhões oriundos do BIRD e US$ 19 milhões de contrapartida não-financeira da União, Estados e Municípios[3].

No caso do loteamento Bosque Verde cabia à esfera municipal o monitoramento e aplicação dos recursos.
Vale lembrar que o PAT PROSANEAR passou por uma reformulação entre os anos de 2003 e 2004 ganhando novos impulsos e aumento do número de contratações, expandindo em construções em 2005, com aumento significativo de Planos de Desenvolvimento Local Integrado - PDLI e Projetos de Saneamento Integrado – PSI, passando de US$ 1,5 milhões, em 2004, para US$ 4,5 milhões ao final de 2005[4].  Ano em que é iniciada as obras no bairro Teotônio Vilela, após construção do Plano de Bairro.
O Plano de Bairro que dividiu o Teotônio Vilela em Unidades Ambientais de Vizinhança -UAV, apresenta uma contradição em relação aos objetivos do Programa que era apoiar Estados e Municípios na elaboração de planos e projetos integrados de saneamento, visando à recuperação ambiental de áreas degradadas ocupadas pela população de baixa renda. O Plano de Bairro, se contradiz a esses objetivos, na proposta de reassentamento dos moradores da Favela que vivem em uma APP para o loteamento Bosque Verde que está em outra área APP, essa alocada nos fundos do bairro, em extensão bem maior que a área das favelas.  Segundo Ermínia Maricato (2003), a explicação para tal situação se dá em uma ordem dominante em que a realidade é ocultada e a lei não se aplica, principalmente, quando um pedaço do solo ocupado por favela é valorizado pelo mercado imobiliário ou paisagista.
A imagem abaixo deixa claro que o Plano de Bairro, assim como a construção do Loteamento Bosque Verde, não respeita aos objetivos do Programa PAT PROSANEAR, em relação ao código florestal e não levou em consideração a Lei n°6766/79 que trata do parcelamento do solo urbano, que em seu artigo 3º, parágrafo único, deixa claro que não será permitida o parcelamento do solo em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, assim como, edificações em áreas de preservação ecológica.










[1] Um dos objetivos do PAT PROSANEAR é a participação da comunidade em todo projeto. Contudo, os moradores do bairro, em entrevistas a blogs e jornais locais, negam essa informação.
[2] O termo Favela do Bambu e Rua do Mosquito é designado pelos próprios moradores para identificação do local. Na prefeitura municipal a Favela é conhecida oficialmente como Rua Floresta Manguezal.












Foto 5: imagem aérea do Loteamento Bosque Verde



Essa proposta referente ao reassentamento da população moradora da “Favela do Bambu” e “Rua do Mosquito” devido à preservação ambiental da área do manguezal não se sustenta. Outro elemento relevante é que “a ocupação ilegal como as favelas são largamente toleradas quando não interferem nos circuitos centrais da realização do lucro imobiliário privado” (MARICATO, 2003, p.160).
Outro elemento que levanta questionamentos em relação à demora da conclusão das com investimentos financeiros que já ultrapassam o valor R$18,000 .000. Com total de 32 metros quadrados de área construída, cada domicílio do Loteamento Bosque Verde possui sala, cozinha, banheiro e dois quartos. Essas casas - que ainda estão incompletas e não foram entregues aos beneficiários do Programa PAT PROSANEAR -  têm sido alvo de ocupações e invasões por parte do Movimento Sem Teto (MST), formado por moradores do bairro Teotônio Vilela que não possuem casa própria e por famílias que migram de outros bairros.
Assim, com mais de 10 anos de obras, ainda não concluídas, marcadas por paralizações, tomadas e retomadas da obra, o Loteamento tornou-se alvo de questionamentos por parte da população ilheense e de movimentos sociais, principalmente, o Movimento Sem Teto (MST), que diante do déficit habitacional apresentado no município invadiu as casas ainda inacabadas, fato que gerou um grande desgaste no município, devido aos protestos que ocorreram em rodovias  mediante a ameaças de remoção coercitiva  por parte do poder local.  Contudo, a Prefeitura Municipal de Ilhéus, como órgão gerenciador do Programa, tem tomado medidas enérgicas e conseguido, através de liminares judiciais, a desocupação dos imóveis.
            Segundo informações da Secretaria de Obras e Infraestrutura do município de Ilhéus, setor da prefeitura responsável pelo acompanhamento dessa obra, as causas da não implementação do Programa está relacionada à instabilidade e descontinuidade do Programa PAT PROSANEAR, assim como, à falta de aplicação de novos recursos financeiros para conclusão das obras. 
            Em 2006 o PAT PROSANEAR passou por uma desmobilização da gerenciadora do Programa, que mesmo após diversas tentativas da coordenação e direção, o Ministério das Cidades optou no sentido de desmobilizar. “Em 2007, o governo federal lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), voltado ao investimento em obras de infraestrutura econômica e social” (MARICATO, 2013, p.23). Dessa forma, as obras inacabadas seriam concluídas com recursos do PAC.
E no bairro em questão o valor de investimento do Programa, com investimentos de recursos por parte do PAC foi de R$ 18.162.109,17, sendo consenso do projeto que a esfera municipal, além de gerenciar a obra, entrasse com contrapartida financeira de 10% desse valor para conclusão.  Entretanto, a gestão municipal nega ter verbas públicas para arcar com tal despesa e tenta transferir tal programa para modalidade MCMV, pedido que segundo Secretaria de obras do município está em tramitação no Ministério das Cidades.
            Apesar disso, outro fato que se contradiz a toda essa ausência de sintonia para implementação dessa política habitacional do bairro, foi à contratação no início de 2016 de licitação de vigilância armada que o governo da gestão Jabes Ribeiro (prefeito do município até dezembro 2016) que, estimou gastos no valor de R$ 1.094.358.60 por prestação de serviço por doze meses. Em entrevista concedida à mídia local, o secretário de administração do município Ricardo Machado afirmou ser necessária a contratação de vigilância armada no local[1]. Sendo assim, foi lançado em licitação de dispensa uma  
contratação de seis meses no valor de 478.294,68 (quatrocentos e setenta e oito mil duzentos e noventa e quatro reais e sessenta e oito centavos ).
Essa contratação gerou revolta por parte de guardas municipais aprovados em concurso público da Prefeitura Municipal de Ilhéus e que não foram convocados que prestaram denúncia ao MPT Ministério Público do Trabalho em Itabuna, sobre a terceirização do serviço. Dessa forma, o MPT solicitou esclarecimento da gestão municipal que em repostas desistiu de terceirizar a segurança no Loteamento Bosque Verde.
Diante do déficit habitacional no município, o crescimento de favelas e ocupações em áreas de preservação ambiental, percebe-se que há uma desvalorização de verbas públicas aplicada no Loteamento Bosque Verde, uma vez que passaram doze anos e, atualmente, as obras encontram-se paralisadas e sem respostas para retomada ou implementação dessa política pública de habitação. Sendo assim, há uma negação do artigo 6º da Constituição Federal Brasileira que declara a moradia como direito social. Visto que,
A função do direito social é distribuir riqueza, para fins não apenas de eliminar, por benevolência, a pobreza, mas para compor o projeto de uma sociedade na qual todos possam, efetivamente, adquirir, em sua significação máxima, o sentido da cidadania, experimentando a beleza da condição humana, sendo certo que um dos maiores problemas que agridem a humanidade é a injustiça. (MAIOR, 2013, p.86)

Essas colocações ensejam um debate sobre as políticas públicas e sociais, especificamente, a Política Nacional de Habitação (PNH). Tem-se, de um lado a importância das políticas públicas como intervencionista para garantia de direitos sociais para exercício da liberdade, igualdade e justiça social e, de outro lado, o confronto de ideias no espaço público como elemento democrático.  









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