Estava em
casa, apenas a assistir um programa de televisão qualquer, quando, já de noite,
naquela segunda-feira, dia 26/06/2017, no horário nacional de propaganda
político-partidária obrigatória, veio o Partido Socialista Brasileiro – PSB,
exibir esse vídeo < https://www.youtube.com/watch?v=pNJ9elnhFfg >. Embora
tenha 10 minutos, só me interessa neste momento o que está entre o mínuto 1:00
e 3:00, apenas esses dois minutos do aludido vídeo institucional. Já dá
bastante “panos para mangas”. Não quero criticar o PSB, na verdade, quero até
elogiá-lo por trazer essa discussão, até com alguns elementos didáticos, de uma
maneira quase pedagógica, sobre as ideologias político-partidárias no Brasil.
Mas também não quero defendê-lo, não sou filiado e nem me iteressa proselitismo
em seu favor, nem pretendo me ater ao vislumbre dado pela referida legenda, e
só quero mesmo usar aqueles 2 minutos do vídeo acima mencionado como ponto de
partida desta discussão, que julgo atual, relevante, e que almejo conduzir sob
um caráter analítico e crítico, para ver se ao final conseguimos encontrar
alguma Bússola, que nos permita navegar com mais segurança por este Mar das
Ideologias político-partidárias em nosso país, por vezes tão confuso, tão
revolto.
Posto
isso, preciso dizer que o meu marco referencial nesta discussão é o livro
“Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política”, do
renomado pensador italiano Norberto Bobbio, na versão traduzida pelo Marco
Aurelio Nogueira e publicada em São Paulo/SP pela Editora UNESP, em 2011, na
sua 3ª edição. E que todas as citações deste texto referirão às páginas dessa
obra. Mas não me aterei nem mesmo a essa obra magnífica, mas apenas a usaremos
como uma espécie de porto seguro nesta jornada. Quando for necessário deixar
esse porto e ir para o mar aberto e avançar para as águas mais profundas,
iremos fazê-lo, e demonstrar as razões para fazê-lo. Estamos abertos a críticas
fundamentadas, e sabemos que em uma área tão polêmica, essas devem ser até
numerosas, inevitáveis. Mas confiamos que a razoabilidade não nos deixará
perdidos em nossa jornada, nem nos permitirá naufragar.
De
início, destacamos que, segundo Bobbio (2011:
58), “ação política” é aquela “que objetiva formar decisões coletivas
que, uma vez tomadas, passam a vincular toda a coletividade”. Seja em uma
assembleia de condomínio residencial ou em um órgão colegiado de cúpula de uma
Universidade, do Poder Judiciário ou de uma Igreja, em uma reunião de clube ou
no Congresso Nacional ou até em uma reunião do Conselho de Segurança da
Organização das Nações Unidas, se há uma decisão que precisa ser tomada e que
passará a obrigar toda uma coletividade a segui-la, de maneira que um só
indivíduo não pode tomar essa decisão, por sua gravidade ou importância, mas
tal decisão precisa necessariamente ser formada coletivamente para que tenha
validade e legitimidade, teremos uma situação que precisa ser resolvida por uma
“ação política”. No conceito simples e formal de Bobbio, a atividade política
se correlaciona, portanto, com: (1) a coletividade (um grupamento social, menor
ou maior, mesmo que com um número indeterminado de sujeitos), (2) a vinculação
dessa coletividade por uma decisão que precisa ser tomada e (3) a forma
coletiva de exercer o poder ao decidir. Por conseguinte, os “problemas
políticos”, segundo Bobbio (2011: 58) serão “os que requerem soluções por meio
dos instrumentos tradicionais da ação política”. Vale dizer: reuniões
presenciais para fazer eleições, instruções ou debates e votações.
A
Política, assim entendida como âmbito no qual as decisões coletivamente
formadas, que vinculam toda a coletividade, precisam ser tomadas, e são de fato
tomadas, é muito, muito mais ampla do que normalmente pensamos, pois compreende
praticamente todo o campo de exercício de poder social no que se refere às
questões mais relevantes, sérias e
complexas que temos em nossa vida social. Pois precisamente essas
questões elevadas à condição de “problemas políticos” são aquelas que se
costuma excluir da alçada de indivíduos isoladamente considerados, mesmo que
ocupando cargos de grande poder, isto é, questões graves, complexas e importantes
demais para serem decididas monocraticamente (por um só), que, por suas
características, sua relevância para toda a coletividade, precisam também serem
tomadas por órgãos colegiados, ou mesmo por ampla maioria da coletividade
inteira.
Ocorre
que, segundo Bobbio, a Política é essencialmente “um universo conflitual”
(2011: 11), no qual impera um “princípio dual” (2011: 91), em que, em dado
momento e em última instância, sempre se pode traçar uma fronteira entre lados
rivais acerca de uma dada disputa, em que os nomes podem mudar, mas “a
estrutura essencial e originariamente dicotômica do universo político
permanece” (2011: 83). Então, na tomada das decisões coletivas, tendem a se
formar polos antagônicos em torno dos quais se aglomeram: os “contra” e os
“favor”, os que escolhem “avançar” e os que preferem “parar ou recuar”, os
“amigos ou aliados” e os “inimigos ou oposicionistas”, e assim por diante. Os
critérios de distinção e contraposição entre os lados do conflito são vários e
não são mutuamente exclusivos, isto é, vários critérios podem coexistir sem
maiores dificuldades. Bobbio menciona alguns desses critérios, apenas para
ilustrar, o que reproduzimos abaixo da maneira mais didática que podemos:
Com
relação ao critério do grau de intervencionismo estatal na economia, por
exemplo, podemos distinguir os lados do conflito no universo político entre os
“Liberistas”, que são os “defensores do mercado”, isto é, do mínimo possível de
intervenções do Estado no campo econômico, apenas como função residual, com
respeito ao Mercado, deixando-o livre para se autorregular privadamente da
maneira mais ampla possível, mas que também buscam a preservação do Mercado em
face de suas crises, e os “Estatistas”, que são, por oposição, os defensores de
intervenções amplas, pesadas, do Estado no Mercado, na Economia, e,
logicamente, contrários ao ideário do Estado Mínimo, do Neoliberalismo, das
Privatizações, etc, mas que em momentos de crise podem admitir até fazer
concessões nesse sentido. Bobbio declara logo que há “estatistas e defensores
do mercado tanto à Direita quanto à Esquerda” (2011: 13) e, portanto, que este
critério é independente e não coincidente com o critério de Direita-Esquerda,
assim como os demais, abaixo.
Com
relação ao critério do regime de liberdades dos indivíduos em face do Estado,
por sua vez, podemos fazer a distinção entre os “Libertários”, que são os
defensores da efetivação ao máximo de direitos e garantias fundamentais dos
cidadãos, da implementação dos Direitos Humanos da maneira mais ampla e
irrestrita possível, dos ideais de emancipação e autonomia do indivíduo, e do
mínimo de intrusões estatais no campo de suas escolhas privadas, e, de outro
lado, os “Autoritários”, que enxergam valores mais importantes que o indivíduo,
como a “soberania nacional”, a “segurança pública”, “a ordem social”, “o bem
maior da pátria”, o “interesse publico” e que, em seu nome, acreditam que pode
haver uma maior flexibilização dos direitos e garantias fundamentais, uma
implementação mais seletiva dos Direitos Humanos, talvez até mesmo a suspensão
ou cassação dos mesmos, e que defendem um campo maior de dirigismo estatal no
âmbito das escolhas próprias dos particulares. E sobre isso Bobbio (2011: 134)
dirá sem receios: “existiram e ainda existem doutrinas e movimentos libertários
tanto à Direita quanto à Esquerda”. Mas se há forças e programas libertários à
Direita e à Esquerda, também há em ambos, por oposição, os autoritários. Só não
se confunde essa “Autoritariedade” de que aqui se fala, com o “Autoritarismo”,
que é a adesão a um regime, a uma forma de poder, tipicamente extremista e
antidemocrática.
Com
relação ao critério do relacionamento dos indivíduos com as suas instituições
sociais, podemos distinguir entre os “Liberais”, os “defensores do Progresso”,
inclusive mediante “rupturas” com os valores tradicionais e as convenções já
estabelecidas, que acreditam que o Sociológico deve conformar o Jurídico, que
as Normas devem ser conformadas aos Fatos, e que, diante das transformações
sociais, buscam reformas ou avanços na maneira como os sistemas e as
instituições sociais funcionam e, de outro lado, os “Conservadores”, que são os
“Reacionários”, os “defensores da Tradição”, que vão sempre priorizar e zelar
pela “continuidade” dos valores tradicionais e das convenções já estabelecidas,
que vão inclusive apelar para que o Jurídico contenha o Sociológico, para que
as Normas persistam firmes mesmo diante dos Fatos contrários, e que, diante das
transformações sociais, os sistemas e as instituições sociais sejam preservados
e mantidos da maneira como tem funcionado, ou até, retornando para o modo como
funcionavam tempos antes.
Interessante
notar que “Liberistas” (opostos aos estatistas, com relação ao critério do grau
de intervencionismo do Estado no Mercado), “Libertários” (opostos aos
autoritários, com relação ao critério do regime de liberdades dos indivíduos em
face do Estado) e “Liberais” (opostos aos conservadores, com relação ao
critério do relacionamento dos indivíduos com suas instituições sociais)
indicam aspectos bem diferentes de uma luta por maiores liberdades, sobretudo
nos campos econômico, político e ideológico, respectivamente. E como diz Bobbio
(2011: 38) “nem todas as lutas de libertação são por si mesmas lutas de
esquerda, ou apenas de esquerda”. Portanto, pode mesmo haver Liberistas,
Libertários e Liberais tanto à Esquerda quanto à Direita. Vai depender de cada
contexto, de cada caso concreto, verificar essa configuração.
Com
relação ao critério da moralidade e da intensidade e amplitude das punições diante
das ofensas à consciência moral coletiva, podemos distinguir os lados do
conflito entre os “Laxistas”, que defendem um maior permissivismo, com o
abrandamento e até perdão das punições correspondentes, e, por contraposição,
os “Rigoristas”, que defendem mais vigilância e mais proibições, isto é, mais
tipificações de condutas que configuram infrações diante da ordem social e
ético-jurídica, passíveis de punições, com mais rigor na fiscalização dessas
infrações e na implementação dessas punições, ou seja, com mais severidade ao
imputar as infrações e apenamentos mais pesados, de caráter exemplar,
dissuasivo ou inibitório de reincidências. Bobbio (2011: 60) esclarece sobre essa
díade: “O laxismo é de direita ou de esquerda? O rigorismo é de esquerda ou de
direita? Na verdade, existe uma esquerda rigorista e uma direita laxista, e
vice-versa. As duas dicotomias, porém, não se superpõem.”
Com
relação ao critério da aceitação do uso de violência (até mesmo física!) como
meio para se atingir os fins, podemos distinguir entre o “Moderantismo”, que
defende a “não-violência como meio”, isto é, a linha dos adeptos de
manifestações exclusivamente pacíficas para se resolver os conflitos no
universo político, e, de outro lado, o “Extremismo”, que defende o uso da
violência como ferramenta ou instrumento aceitável para se vencer os conflitos
no universo político. Cabe esclarecer que Bobbio reconhece que há extremistas
(radicais) tanto de Direita (por exemplo, os adeptos do fascismo; do nazismo; e
outros contrarrevolucionários de Direta) quanto de Esquerda (por exemplo, os
adeptos do jacobinismo; e o comunismo à maneira do bolchevismo ou do
stalinismo; e outros revolucionários de Esquerda), mas declara que “apenas as
alas moderadas dos dois alinhamentos opostos são compatíveis com a democracia”
(2011: 70, nota de rodapé). Com efeito, para Bobbio (2011: 35) “a renúncia ao
uso da violência para conquistar e exercer o poder é a característica do método
democrático” e “em toda forma de extremismo político existe uma forte veia
anti-iluminista” (2011: 71). De modo que, temos de concordar com Bobbio,
somente o “Moderantismo” é compatível com um Estado Democrático, e se predomina
o “Extremismo” na ação política só se pode estar em um Estado Antidemocrático,
que aderiu a uma forma de poder, a um regime, de “Autoritarismo”. Assim como
Bobbio, somos pessoalmente do Moderantismo.
E
assim se chega à questão: se ser de Esquerda ou de Direita, não é nem
exatamente ser Liberista ou Estatista, nem Libertário ou Autoritário, nem Liberal
ou Conservador, nem Laxista ou Rigorista, nem Moderado ou Extremista, dentre
outras díades possíveis, o que seria afinal ser de Esquerda ou ser de Direita
no universo político? Oras, foi para afirmar que essa díade Esquerda-Direita
continua válida em nossos dias, e encontrar a identidade própria de seus
critérios que Bobbio escreveu o livro! Só mesmo lendo a obra para entender os
meandros pelos quais Bobbio chega a sua conclusão. Mas, grosso modo, podemos resumir da seguinte maneira: “Direta e
Esquerda são termos antitéticos que há mais de dois séculos têm sido
habitualmente empregados para designar o contraste entre as ideologias e entre
os movimentos em que se divide o universo, eminentemente conflitual, do
pensamento e das ações políticas” (2011: 49). E “não são conceitos absolutos
[...]; não são palavras que designam conteúdos fixados para sempre. Podem
designar diversos conteúdos conforme os tempos e as situações [...] Aquilo que
é de esquerda assim o é com respeito aquilo que é de direita. O fato de direita
e esquerda representarem uma oposição quer simplesmente dizer que não se pode
ser simultaneamente de direita e de esquerda. Mas não diz nada sobre o conteúdo
das duas partes contrapostas. A oposição permanece, mesmo que os conteúdos dos
dois opostos possam mudar” (2011: 107-108)
Sempre
vão existir posições antagônicas no universo político que podemos chamar,
dentre outras coisas, de Esquerda e de Direita, conquanto não se esteja em um
Estato Totalitário, isto é, um Estado no qual algum sujeito ocupasse todo o
espaço político, uniformizando tudo, e eliminando assim quaisquer quaisquer
divisões e as respectivas distinções interiores nesse espaço político.
Portanto, se não se está em um Estado Totalitário, em que a liberdade dos
indivíduos venha a ser amplamente suprimida, sempre haverá Esquerda e Direita.
Aliás, Esquerdas e Direitas, no plural. Bobbio declara enfaticamente: “Não
existe uma única esquerda, mas muitas esquerdas, assim como, de resto muitas
direitas” (2011: 64) e ainda diz que “existem muitas esquerdas e muitas
direitas” (2011: 52, nota de rodapé). Isto porque o critério Esquerda-Direita
poderia se combinar com os acima já referidos outros critérios de distinção e
contraposição dos lados do conflito no universo político, e assim teríamos não
mais uma díade, mas “uma pentíade” (2011: 55) ou melhor “uma multíade” (2011:
55).
Por
exemplo, combinando o critério Esquerda-Direita com o critério
Moderantismo-Extremismo, teríamos, na sequência, uma Extrema Esquerda (ou
Esquerda Radical, ou Revolucionária), depois uma Esquerda Moderada, depois uma
Centro-Esquerda, depois um Centro Indiviso, depois uma Centro-Direita, depois
uma Direita Moderada e na outra ponta dessa “linha” uma Extrema Direita (ou
Direita Radical, ou Contrarrevolucionária). As pontas dessa linha, ou seja, a
Extrema Esquerda e a Extrema Direita seriam ambas incompatíveis com a
Democracia, por aceitarem o uso da violência como maneira de resolver os
conflitos políticos, o que não poderia ser compatibilizado com o método
democrático. A Esquerda Moderada, a Centro-Esquerda, o Centro Indiviso, a
Centro Direita e a Direita Moderada seriam compatíveis com a Democracia por não
aceitarem a violência como ferramenta na Política. Vamos registrar na memória
essa linha, a que chamaremos de “espectro ideológico político
Esquerda-Direita”, por ora, para retomá-la mais adiante, após as devidas
considerações.
Por
ora ainda resta a questão: mesmo que Direita e Esquerda sejam precipuamente
“articuladores argumentativos” nos discursos travados no universo político, ou
seja, “caixas vazias” que só o caso concreto vai dizer exatamente como serão
preenchidas, respeitado o seu inerente antagonismo, e mesmo que o conteúdo dos
seus conceitos varie através do Espaço e do Tempo, a que se refere
predominantemente essa metáfora no nosso Espaço-Tempo presente, atual, aqui e
agora? Bobbio (2011: 111) vai dizer: “o critério mais frequentemente adotado
para distinguir a Direita da Esquerda é a diversa postura que os homens
organizados em sociedade assumem diante do ideal da igualdade, que é, com o
ideal da liberdade e o ideal da paz, um dos fins últimos que os homens se
propõem a alcançar e pelos quais estão dispostos a lutar”. Bobbio alude às
origens da díade, na Revolução Francesa; aos ideais iluministas de Igualdade,
Liberdade e Paz (Fraternidade, que seja; dá praticamente no mesmo). Para Bobbio
todas as pessoas em nossas sociedades terão esses valores como centrais em seus
sistemas valorativos, mas adotarão posturas distintas com relação as mesmos.
Isto é, a diferença essencial entre Esquerda e Direita estaria na maneira
diversa como é entendido o relacionamento entre os valores de Igualdade,
Liberdade e Paz/Fraternidade nos sistemas valorativos que as pessoas erigem
para se guiar nas nossas sociedades.
Claro,
pois todos concordarão, por exemplo, que a Igualdade é um valor
importantíssimo, central, mas podem entendê-lo de maneiras muito diferentes,
como Bobbio (2011: 22) destacará: “Igualdade sim, mas entre quem, em relação a que e com base em quais
critérios?”. Criticamente temos de concordar com Bobbio (2011: 112) “o
conceito de Igualdade é relativo, não absoluto. É relativo ao menos a três
variáveis que precisam ser consideradas toda vez que se introduz o discurso
sobre a maior ou menor desejabilidade e/ou sobre a maior ou menor
realizabilidade da ideia de Igualdade: a) os sujeitos entre os quais se trata
de repartir os bens e os ônus; b) os bens e os ônus a serem repartidos; c) o
critério com base no qual fazer a repartição.” É preciso responder a essas
questões claramente. Afinal, dirá Bobbio (2011: 116) “qual é a doutrina
política que não tem a ver, em maior ou menor medida, com a igualdade?” Assim
também, tanto Esquerda quanto Direita têm a ver com a Igualdade, assim como têm
a ver com a Liberdade e com a Paz/Fraternidade, mas com atitudes distintas
acerca desses valores.
Dentro
dessa compreensão, Bobbio (2011: 115) atribuirá à Esquerda uma postura mais
“Igualitária” e à Direita uma postura mais “Inigualitária” (ou seja, menos
“Igualitária”). É preciso destacar desde já que, para Bobbio (2011: 116), ser
mais ou menos “Igualitário” nada tem a ver com ser “Igualitarista”, o que, por
sua vez, consistiria na adesão propriamente ao “Igualitarismo, quando entendido
como ‘igualdade de todos em tudo”, o que Bobbio considera não só como
irrealizável (uma utopia, já que as pessoas são “entre si tão iguais quanto
desiguais. São iguais por certos aspectos e desiguais por outros” [2011:
119-120]), como também algo por vezes indesejável (cf. pg 125), já que poderia
ferir outros valores, como a Justiça, a Liberdade, a Paz, etc. Norberto Bobbio
constatará com veemência que entre as pessoas “tanto a igualdade quanto a
desigualdade são fatualmente verdadeiras” (2011: 120), que as afirmações de que
“todos são iguais” ou “todos são desiguais” depende unicamente que “se enfatize
mais o que têm em comum ou mais o que os distingue” (2011: 120) e ainda que “As
desigualdades naturais existem e se algumas delas podem ser corrigidas, a maior
parte não pode ser eliminada. As desigualdades sociais também existem e se
algumas delas podem ser corrigidas e mesmo eliminadas, muitas – sobretudo
aquelas pelas quais os próprios indivíduos são responsáveis – podem ser apenas
desencorajadas” (2011: 118).
Tanto
a Direita quanto a Esquerda possuem em seus sistemas valorativos como um de
seus valores centrais a Igualdade, mas a postura mais “Inigualitária” da
Direita significa que nela há uma inclinação para se enfatizar o que distingue
as pessoas, acentuando as diferenças entre elas, pois julga que para uma boa
convivência entre essas mesmas pessoas é mais importante a diversidade, e, por isso, ela não se empenha tanto em reduzir as
desigualdades, tidas como naturais, mesmo se naturalizadas pelo hábito, pela
tradição, pela força do passado, como dirá Bobbio (2011: 121), partindo da
convicção de que “as desigualdades são naturais e, enquanto tal, inelimináveis”
e de que em nome da “desigualdade natural”, as artificiais igualdades sociais devem ser criadas como exceções, pois seriam, em
última análise, negativas, por promoverem um “nivelamento” e uma “mediocracia”;
ao passo que a postura mais “Igualitária” da Esquerda significa que nela há uma
inclinação para se enfatizar mais o que há em comum entre as pessoas, atenuando
as diferenças entre elas, pois julga que para uma boa convivência entre as
mesmas é mais importante a unidade,
e, por isso, ela se empenha bastante em reduzir as desigualdades sociais, como
dirá Bobbio (2011: 121), partindo da “convicção de que a maior parte das
desigualdades que a indignam, e que gostaria de fazer desaparecer, são sociais
[artificiais] e, enquanto tal, elimináveis” e de que em nome da “igualdade
natural”, as artificiais desigualdades
sociais é que devem ser mantidas apenas como exceção, mas sempre que possível
devendo ser condenadas e abolidas, sempre que não apenas reconhecerem a
irredutível singularidade de cada um.
Essa
postura mais “Inigualitária” da Direita, à maneira de “Nietzche, o poeta de Zaratustra”, tende a considerar as
pessoas naturalmente mais desiguais do que iguais e os obstáculos à igualdade
como menos elimináveis, e, na mesma medida em que tende a mitigar a Igualdade,
tende também a ser mais excludente, e
a promover as desigualdades e a fortalecer a Diversidade. E, no polo
diametralmente oposto, a postura mais “Igualitária” da Esquerda, à maneira de
“Rousseau, o autor do Contrato social”,
tende a considerar as pessoas naturalmente mais iguais do que desiguais e os
obstáculos à igualdade como mais elimináveis, e, na mesma proporção em que
tende a promover a Igualdade, tende por conseguinte a ser mais inclusiva, e a mitigar as desigualdades
e a fortalecer a Unidade.
Por
isso, embora possa haver “Libertários” e “Autoritários” tanto à Direita quanto
à Esquerda, como já foi dito, há uma tendência a que os Libertários, que
precisam de medidas igualitárias para efetivar seus direitos e garantias
fundamentais e implementar os Direitos Humanos, estejam mais à Esquerda e, por
contraposição, que os Autoritários estejam mais à Direita. Também por isso,
embora possa haver “Liberais” e “Conservadores” tanto à Direita quanto à
Esquerda, como já referido, já que nossas sociedades (modernas) costumam
historicamente se afigurar em suas estruturas como bastante desiguais, há uma
tendência a que os Liberais estejam de fato a lutar por medidas igualitárias,
para transformar as instituições no sentido da redução das desigualdades
sociais, e, por isso, a tendência é de que os Liberais estejam mais à Esquerda
e, por contraposição, que os Conservadores estejam mais à Direita.
Mas
essas são apenas inferências a partir de análises das implicações daquelas
tendências atribuídas como premissas à Esquerda e à Direita por Norberto
Bobbio. O que podemos concluir efetivamente é que, para Bobbio, um indicativo
do que caracteriza a Esquerda é a tendência a considerar a Inclusão como a
regra, e a Exclusão como exceção, isto é, que na Esquerda para excluir seria
preciso maiores justificativas, para incluir não; bem como que haveria na
Esquerda uma busca por políticas com o intuito de tornar os desiguais mais
iguais entre si; e, por antítese, um indicativo do que caracteriza a Direita é
a tendência a considerar a Exclusão como regra,
e a Inclusão como mera exceção, isto
é, que na Direita para incluir seria preciso maiores justificativas, para
excluir não; bem como que haveria na Direita uma busca por políticas com o
intuito de manter os desiguais menos iguais entre si.
Tudo
isso foi dito com relação à Igualdade, mas não se pode esquecer que “A
Igualdade como ideal supremo, ou até mesmo último, de uma comunidade ordenada,
justa e feliz, e portanto, de um lado, como aspiração perene dos homens
conviventes, e, de outro, como tema constante das teorias e ideologias
políticas, está habitualmente acoplada ao ideal de Liberdade, considerado,
também ele, supremo ou último” (2011: 127). Então, o que se disse acima com
referência ao valor da Igualdade, salvas as devidas proporções, também deve se
aplicar na referência ao valor Liberdade. Até mesmo porque não se pode falar de
uma sem acabar falando da outra, “pois são infinitas as possibilidades de serem
apresentados exemplos de casos diminutos ou mínimos de medidas igualitárias que
limitam a liberdade e, vice-versa, de medidas libertárias que aumentam a
desigualdade” (2011: 129). Não que “uma medida igualitária seja sempre
limitadora da liberdade” (2011: 131), mas só que há uma tendência a isso.
Poderíamos
dizer, em uma parafrase na esteira do pensamento de Bobbio, “Liberdade sim, mas
de quem, em relação a que e com base em quais critérios?” Uma coisa é a categoria das liberdades de querer
(vontade), que as pessoas possuem em relação ao seu próprio livre-arbítrio.
Outra coisa é a categoria das liberdades do agir (conduta), que as pessoas
possuem em relação ao seu próprio comportamento individual e/ou social. Há outras
(sub)categorias, como a liberdade diante da necessidade, a liberdade de
iniciativa econômica, a de opinião, a de imprensa, a de reunião, a de
associação, etc; todas elaboradas com base nessas variáveis: a) os sujeitos a
serem declarados livres; b) as realidades das quais estão libertos ou em que
são considerados livres; c) o critério com base no qual se declara essa
liberdade. E assim como o “igualitarismo”, isto é, a “igualdade de todos em
tudo” é uma utopia e algo até mesmo indesejável, também o “libertarismo”, isto
é, “a liberdade de todos em tudo” é irrealizável e algo até mesmo nefasto,
pelos problemas práticos que acarretaria. Como diz, Bobbio (2011: 129), “a
experiência histórica e a experiência cotidiana nos ensinam que ‘ordem’ e
‘liberdade’ são dois bens em contraste entre si, tanto que uma boa convivência
somente pode ser fundada sobre um compromisso entre um e outro, de modo a
evitar o limite extremo ou do Estado Totalitário ou da anarquia”.
Ora,
se Igualdade e Liberdade são tão acopladas entre si, e a ampliação de uma, em
dado contexto, costuma resultar, na
mesma medida, na redução da outra, aquelas tendências
opostas no universo político com relação ao valor da Igualdade que foram
atribuídas à Esquerda e à Direita vão geralmente
produzir reflexos com relação ao valor da Liberdade, que serão traduzidas em
implicações razoavelmente previsíveis. Claro, exceções há em quaisquer esquemas
ideais, pois os casos concretos sempre possuem mais matizes e complexidades que
nossas abstrações, mas podemos levar em conta que há sim tendências reflexas
geralmente em atuação.
Aquela
postura mais “Inigualitária” da Direita, na mesma medida em que tende a reduzir
a Igualdade, tende também a ampliar a
Liberdade. E a postura mais “Igualitária” da Esquerda, na mesma proporção em
que tende a ampliar a Igualdade, tende
por conseguinte a reduzir a Liberdade. Por isso, embora possa haver
“Liberistas” e “Estatistas” tanto à Direita quanto à Esquerda, como já foi
dito, há uma tendência a que os Liberistas, que buscam mais espaço para o
exercício da sua liberdade econômica mediante a retração do Estado em face do
Mercado, estejam mais à Direita, onde a promoção das liberdades é geralmente
mais valorizada do que a implementação de medidas igualitaristas que mitiguem
tais liberdades, e, por contraposição, que os Estatistas estejam mais à
Esquerda; salvo quando, no contexto, for mais relevante preservar o próprio
Mercado de suas crises do que evitar os intervencionismos, o que faz os
Liberistas se situarem mais à Esquerda, e os Estatistas, que nas crises
costumam aceitar até privatizar empresas estatais, reduzir o tamanho do Estado
e adotar outras práticas tipicamente neoliberais, por contraposição, passarem a
estar mais à Direita.
Também
por isso, embora possa haver “Laxistas” e “Rigoristas” tanto à Direita quanto à
Esquerda, como já referido, há uma tendência a que os Rigoristas, que querem
punições mais severas para quem abusa da sua liberdade e assim acaba por ferir
as liberdades dos outros, estejam mais à Direita, onde acabam mesmo por
valorizar sobretudo a proteção das liberdades individuais, e, por
contraposição, há tendência a que os Laxistas estejam mais à Esquerda; salvo
quando, no contexto, for mais importante ampliar as regulações, fiscalizações e
criar novas hipóteses de infração, que assim passem a atingir pessoas e
condutas que antes não eram atingidas, o que é uma medida eminentemente
igualitarista e implica reflexamente na redução de liberdades, o que faz
inverter a tendência, e leva os Rigoristas a, com isso, buscarem implementar
medidas igualitaristas, e, assim, passarem a estar mais à Esquerda, e, por
contraposição, os Laxistas, por sua vez, passarem a estar mais à Direita.
E
apesar da já mencionada tendência a que os Libertários estejam mais à Esquerda
se, no contexto, evitar a indevida intrusão estatal no campo da liberdade
privada dos indivíduos for mais importante até mesmo do que contar com o Estado
para promover medidas igualitárias, a tendência se inverte, e passamos a
encontrar os Libertários mais à Direita, e os Autoritários, por contraposição,
mais à Esquerda. Vale dizer ainda que, apesar da tendência também já mencionada
a que os Liberais estejam mais à Esquerda se, no contexto, as medidas
igualitárias já haviam sido implementadas e as mudanças nas instituições forem
para retrocessos sociais, ampliando as desigualdades, a tendência também se
inverte, e passamos a encontrar os Liberais mais à Direita, e os Conservadores,
por contraposição, mais à Esquerda.
Com
essas considerações basilares sobre as atitudes antagônicas com relação aos
valores da Igualdade e da Liberdade, que costumamos atribuir à Esquerda e à
Direita, temos de questionar como ficam as atitudes perante o terceiro elemento
do trinômio iluminista da Revolução Francesa: a Fraternidade (ou Paz), que é,
com efeito, o valor ideal da boa convivência e das relações saudáveis entre os
indivíduos; da tranquilidade na vida da própria sociedade. Sobre esse aspecto
Bobbio não traz aprofundamentos no seu livro, talvez por considerá-lo o mais
impreciso dos três termos (2011: 127), mas em certos momentos da obra ele toca
tangencialmente esse assunto. Quando Bobbio (2011: 130) diz: “O mesmo princípio
fundamental daquela forma de igualitarismo mínimo própria da doutrina liberal,
segundo a qual todos os homens têm direito à idêntica liberdade, salvo exceções
a serem justificadas, implica que cada um limite a própria liberdade para
torná-la compatível com a liberdade de todos os outros, de modo a não impedir
que os outros também usufruam da mesma liberdade”. Temos um equilíbrio razoável
entre a Igualdade e a Liberdade, com um mínimo desses valores preservado para
cada indivíduo integrante do todo social, e isso com base em uma razão ou uma
lógica que visa a promover uma convivência tida por boa ou saudável.
O
valor da Paz/Fraternidade é subjacente à busca de um equilíbrio razoável entre
a Igualdade e a Liberdade, com a preservação de um conteúdo mínimo de âmbas em
face de todas as circunstâncias, e à toda razão ou lógica que reconhece só ser
possível um mínimo de harmonia social se também for reconhecido a cada membro
da sociedade determinada proteção a um mínimo, inerente a sua dignidade
inalienável, de direito à Igualdade (cujo problema central são as desigualdades
de fato) e de direito à Liberdade (cujo problema central são as opressões de
fato), a ser efetivamente usufruído por cada um. Quanto mais indivíduos houver,
mais relações geralmente também haverá, e se tais relações entre os indivíduos
fossem tão-somente conflituosas, com a ocorrência da total Desigualdade (sem
reconhecimento de Igualdade entre os indivíduos) e da mais extrema Liberdade
(sem qualquer respeito à liberdade dos outros), com o mergulho no estado de
guerra permanente entre todos pela sobrevivência e pelos demais bens da vida,
não haveria qualquer realização do valor Paz/Fraternidade. Esse valor se
realizará mais, na medida em que as relações de mera coexistência entre os
indivíduos se convertam em genuínas relações de convivência, mediante a
formação de uma sociedade em que os indivíduos se reconheçam mutuamente como
semelhantes, igualmente livres, e na medida em que essa convivência melhorar
quantitativamente (com mais relações desenvolvidas, com mais indivíduos
envolvidos) e melhorar também qualitativamente (com relações mais saudáveis, com
mais hormonia entre os indivíduos). A Paz/Fraternidade é, pois, esse valor da
solidariedade e até da felicidade na vida social.
Quando
Bobbio (2011: 154) questiona sobre a “superação de toda forma retrógrada de
mortífera de nacionalismo obscurantista e racismo insensato?” e indaga sobre “O
que move a aspiração, hoje cada vez mais forte no mundo, em favor de um direito
cosmopolita, em favor da cidadania universal de todos os homens, numa sociedade
em que não existam nem judeus nem gentios, nem brancos nem negros” não são
apenas os valores Igualdade e Liberdade que estão em jogo, mas também o valor
Paz/Fraternidade. Essa compreensão é o que fecha o triângulo dos ideais
iluministas na Revolução Francesa, que estão na base de toda a interpretação
evocada por Bobbio acerca da díade Direita-Esquerda. Ocorre que esse valor
Paz/Fraternidade não é autônomo dos outros dois que o precedem, mas precisa das
condições ditadas tanto pela Igualdade quanto pela Liberdade para se
desenvolver, e, desse modo, só pode ser mais e melhor realizado, concretamente,
se tanto o valor Igualdade quanto o valor Liberdade forem também concretizados,
dentro de um mínimo comum a todos, de maneira razoavelmente equilibrada, para
cada um dos que compõem o todo social.
Nessa
perspectiva, a postura mais “Inigualitária” da Direita implicará a tendência a
que essa busque realizar o valor Paz/Fraternidade concretamente mediante a
busca por se ampliar ao máximo possível a Liberdade dos indivíduos, com a
redução ou em detrimento do mínimo possível de sua Igualdade, e, se for viável,
até com a conservação ou a elevação dessa Igualdade. Pois no relacionamento
entre Igualdade e Liberdade, realmente, para a Direta, prevalece a Liberdade,
mas, para que haja Paz/Fratrernidade, a Igualdade não pode ser desprezada. E
inversamente, a postura mais “Igualitária” da Esquerda implicará a tendência a
que essa busque realizar o valor Paz/Fraternidade concretamente mediante a
busca por se ampliar ao máximo possível a Igualdade dos indivíduos, com a
redução ou em detrimento do mínimo possível de sua Liberdade, e, se for viável,
até com a conservação ou a elevação dessa Liberdade. Pois no relacionamento
entre Igualdade e Liberdade, realmente, para a Esquerda, prevalece a Igualdade,
mas, para que haja Paz/Fratrernidade a Liberdade, não pode ser ignorada. E
tanto a Direita quanto a Esquerda almejam com intensidade e amplitude
equivalentes a concretização do valor Paz/Fraternidade nas realidades sociais.
Para
se atingir esse fim, de concretizar ao máximo o valor ideal de Paz/Fraternidade
na sociedade, é que a Esquerda e a Direita diferem quanto aos princípios
adotados; a Esquerda estabelece o “princípio Igualitário” como ponto de
partida; e a Direita estabelece em seu lugar o “princípio Inigualitário”. São
princípios opostos, é claro. Mas o seguimento de qualquer um desses princípios
induz à realização tanto do valor de Igualdade quanto do valor de Liberdade,
ainda que por vezes um de modo reflexo ao outro. Só que esses valores vão se
concretizar geralmente em graus distintos, nos variados contextos, de acordo
com as tendências próprias de cada princípio: o “Igualitário” priorizando a
concretização do valor Igualdade e buscando sempre ganhar mais em Igualdade do
que eventualmente venha a perder em Liberdade; e o “Inigualitário” priorizando
a concretização do valor Liberdade e buscando sempre ganhar mais em Liberdade
do que porventura venha a perder reflexamente em Igualdade.
Este
nosso entendimento é o que encaminha para a conclusão de que o Centro, que por
vezes situamos como um Terceiro espaço no universo político, entre a Esquerda e
a Direita, é efetivamente conformado pela adoção tanto do “princípio
Igualitário” quanto do “princípio Inigualitário” e ainda de um “meta-princípio”
ou “sobre-princípio” de Razoabilidade/Proporcionalidade, que serve para dirigir
a aplicação de ambos, e que é o que impede haver contradição na adoção desses
dois princípios, tão opostos entre si, pois viabiliza uma ponderação, diante de
cada caso concreto, de qual princípio seria mais vantajoso que prevalecesse
naquele contexto, sem que o outro precisasse ser invalidado ou retirado do
sistema. Por isso, nos parece que o Centro adota, em certas áreas e para
determinadas situações, políticas que em geral atribuiríamos à Esquerda,
conjuntamente com políticas para outras áreas e outras situações, ou até para
as mesmas áreas e situações mas em momentos diferentes, que normalmente
atribuiríamos à Direita, sem que se considere isso algo contraditório.
É
mais ou menos o que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
faz ao estabelecer, em seu artigo 1º, no mesmo inciso IV, como fundamentos
deste Estado Democrático de Direito, lado a lado, juntos, “os valores sociais
do trabalho”, que são valores ideais historicamente expoentes da Esquerda, e ao
mesmo tempo também “da livre iniciativa”, que já é um valor ideal
historicamente expoente da Direita. Essa é uma posição de Centro: adotar
princípios que são opostos entre si, simultaneamente, para fazer predominar em
cada caso aquele que for mais vantajoso naquele determinado contexto, e poder
contar com o melhor de cada lado do conflito. Não é exatamente ficar em cima do
muro, afinal, para cada caso se toma uma posição, mediante uma ponderação. É
mesmo como ser um grande oportunista.
À
luz dessas considerações, vamos retomar aquela linha, a que chamamos de
“espectro ideológico político Esquerda-Direita”, que registramos na memória lá
no começo, para fazer o fechamento. Iniciamos este texto com a proposta de
encontrarmos uma Bússola que nos permitisse nos orientar no campo das
ideologias político-partidárias no Brasil. Note-se: uma Bússola apenas, não um
Mapa completo. Qualquer análise esmiuçada de qual Partido Político segue qual
ideologia, para traçar esse Mapa concretamente, foge completamente ao nosso
escopo, e se deixa para cada um a tarefa de rascunhar o seu próprio Mapa nesse
sentido. Mas esse instrumental, essa Bússola, para saber diferenciar ao menos
os tipos ideais, na teoria, nesse espectro ideológico político, que depois cada
um poderá usar para fazer sua própria classificação, seu próprio Mapa, na
prática, dos tipos concretos, históricos, de Partidos Políticos no presente (ou
até no passado) do Brasil (e quem sabe, até no estrangeiro) e suas respectivas
ideologias político-partidárias, isso podemos agora podemos construir.
Bobbio
(2011: 53-55; 77-78; 134-135) alude a essa mesma linha a que agora nos
referimos, embora se atendo a detalha-la levando em consideração ora apenas o
valor de Igualdade, ora apenas o valor de Liberdade, e no máximo ambos os
valores. A esta altura, em que já estamos em meio ao mar, a certa distância do
porto seguro que foi para nós o livro sobre Esquerda e Direita de Norberto
Bobbio, temos de ir para as águas ainda mais profundas, e reconstruir essa
“linha”, essa descrição dos tipos ideais que compõem o “espectro ideológico
político Esquerda-Direita” levando em consideração, além de tudo o que Bobbio
já considerou, também o valor de Paz/Fraternidade, bem como temos de consolidar
tudo isso que levantamos e analisamos em nossa investigação até aqui. Como
resultado disso, obteremos a tal Bússola.
Fica
claro para nós que as pontas da aludida “linha”, ou melhor, os extremos do
espectro Esquerda-Direita, são regiões em que predomina o Autoritarismo, e
posições do universo político que não se deve adotar enquanto se pretender
viver em um Estado Democrático de Direito (conferir CRFB/1988, artigo 1º,
caput) como se constitui o Brasil ao menos desde a Constituição brasileira de
1988, a qual estabeleceu para todos neste país um regime de Democracia
(conferir CRFB/1988, artigo 34, inciso VII, alínea “a”, segundo o qual o
“regime democrático” é um princípio constitucional “sensível” cuja
inobservância possibilita a intervenção da União federal nos Estados-membros da
Federação e no Distrito Federal, para garantir a sua observância). Desse modo,
por serem posicionamentos políticos eminentemente antidemocráticos, as posições
de “Extrema Esquerda”, em que situamos os movimentos simultaneamente
Igualitários e de Autoritarismo, como aquelas expressões Revolucionárias do
Socialismo Marxista que defendem pegar em
armas para estabelecer a Ditadura do Proletariado e forçar a sociedade ao
Comunismo, bem como as posições de “Extrema Direita”, em que situamos os
movimentos Inigualitários e também de Autoritarismo, como aquelas expressões
Contrarrevolucionárias do Nazi-Fascimento que defendem o Golpe Militar, e o regime da sua Ditadura, sob a Lei Marcial, como
solução dos problemas sociais, devem ser ambas
tidas, ao menos desde 1988, no Brasil, como inconstitucionais,
já que esse Autoritarismo, que adota a violência como meio de vencer as
disputas políticas, é algo nocivo e deletério para o regime do Estado
Democrático querido pelo Constituinte de 1988. E também sob o ponto de vista da
Paz/Fraternidade, o Autoritarismo é inferior à Democracia, porque mais venenoso
às relações interpessoais, com o seu veneno da predominância do medo, da
injustiça e da opressão.
Quanto
às demais posições do “espectro ideológico político Direita-Esquerda”, por sua
adesão ao Moderantismo, são todas plenamente compatíveis com a Democracia, e a
sua variedade constitui propriamente o “Pluralismo Político”, que a
Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 1º,
inciso V, elevou à condição de fundamento deste Estado Democrático de Direito.
Dentre essas posições compatíveis com a Democracia, a Esquerda Moderada e a
Direita Moderada são as regiões intermediárias (entre os extremos e o centro)
desse espectro, em que se aplica de maneira exclusiva ou o “princípio
Igualitário”, no caso da Esquerda Moderada, ou o “princípio Inigualitário”, no
caso da Direita Moderada. E as regiões centrais são, obviamente, a
Centro-Esquerda, o Centro Indiviso e a Centro Direita, em que são adotados
tanto o “princípio Igualitário” quanto o “princípio Inigualitário”, bem como o
meta-princípio ou sobre-princípio de Razoabilidade/Proporcionalidade que dirige
sua aplicação. Vamos agora aprofundar a compreensão dessas regiões do espectro.
Na
Esquerda Moderada, em que estão os movimentos de Moderantismo exclusivamente
Igualitários, temos comumente aqui os “Libertários” e os “Estatistas”. A
Esquerda Moderada é a posição no espectro ideológico político Esquerda-Direta
em que se acredita que a Paz/Fraternidade será melhor concretizada pela
aplicação puramente do “Príncípio Igualitário”, com medidas que promovam
sobretudo uma maior Igualdade (ou promoção da Inclusão, maior redução de
desigualdades sociais e obstáculos à Unidade), através de reformas aprovadas
pelas próprias vias dos sistemas e instituições sociais já estabelecidos. É a
posição que mais se choca e contrapõe aos interesses do Mercado, do
Capitalismo, da Burguesia, e das tendências estruturais de desigualação em
nossas sociedades. Nesta posição situaríamos expressões como o Libertarismo
< https://pt.wikipedia.org/wiki/Libertarismo >, em especial o Socialismo
Libertário < https://pt.wikipedia.org/wiki/Socialismo_libert%C3%A1rio > e
o Socialismo Democrático < https://pt.wikipedia.org/wiki/Socialismo_democr%C3%A1tico
>.
Na
Direita Moderada, em que estão os movimentos de Moderantismo exclusivamente
Inigualitários, temos comumente aqui os “Autoritários” e os “Liberistas”. A
Direita Moderada é a posição no espectro ideológico político Esquerda-Direta em
que se acredita que a Paz/Fraternidade será melhor concretizada pela aplicação
puramente do “Príncípio Inigualitário”, com medidas que promovam sobretudo uma
maior Liberdade (ou promoção da livre iniciativa e meritocracia, maior redução
das opressões, restrições e regulamentações e obstáculos à Diversidade),
através de reformas aprovadas pelas próprias vias dos sistemas e instituições
sociais já estabelecidos. Mas se entenda: é uma Liberdade sobretudo burguesa, econômica,
individualista, nacionalista, o que se busca, não uma real emancipação dos
indivíduos ou das sociedades (que seria uma postura mais libertária). Nesta
posição situaríamos expressões como o Conservadorismo social <
https://pt.wikipedia.org/wiki/Conservadorismo_social >, o Nacionalismo < https://pt.wikipedia.org/wiki/Nacionalismo
>, em especial o Nacionalismo Cívico e o Nacionalismo Étnico < https://pt.wikipedia.org/wiki/Nacionalismo_%C3%A9tnico
>, o Tradicionalismo < https://pt.wikipedia.org/wiki/Tradicionalismo >,
o Neoconservadorismo < https://pt.wikipedia.org/wiki/Neoconservadorismo >,
e o Neoliberalismo < https://pt.wikipedia.org/wiki/Neoliberalismo >.
Na
Centro-Esquerda, em que estão os movimentos de Moderantismo tanto Igualitários
quanto os Inigualitários, mas com predominância dos Igualitários, temos
comumente aqui os “Liberais” e os “Laxistas”. A Centro-Esquerda é a posição no
espectro ideológico político Esquerda-Direta que aceita aplicar os dois
princípios, o “Igualitário” e o “Inigualitário”, mas que, entre os dois, se
inclina mais a aplicar o “Princípio Igualitário”. É o Centro que se sente mais atraído
pela Esquerda, mas não quer perder completamente certos elementos que são mais
atribuídos à Direita, sobretudo nas políticas econômicas. Nesta posição
situaríamos expressões como o Liberalismo Social < o https://pt.wikipedia.org/wiki/Liberalismo_social
>, a Social-Democracia < https://pt.wikipedia.org/wiki/Social-democracia >,
o Socialismo Cristão < https://pt.wikipedia.org/wiki/Socialismo_crist%C3%A3o
> e o Ambientalismo < https://pt.wikipedia.org/wiki/Ambientalismo >.
Na
Centro-Direita, em que estão os movimentos de Moderantismo tanto Igualitários
quanto os Inigualitários, mas com predominância dos Inigualitários, temos comumente
aqui os “Conservadores” e os “Rigoristas”. A Centro-Direita é a posição no
espectro ideológico político Esquerda-Direta que aceita aplicar os dois
princípios, o “Igualitário” e o “Inigualitário”, mas que, entre os dois, se
inclina mais a aplicar o “Princípio Inigualitário”. É o Centro que se sente mais
atraído pela Direita, mas não quer perder completamente certos elementos que
são mais atribuídos à Esquerda, sobretudo nas políticas sociais. Nesta posição
situaríamos expressões como o Conservadorismo ou Conservantismo < https://pt.wikipedia.org/wiki/Conservadorismo
>, em especial o Conservadorismo Liberal ou Liberalismo Conservador <
https://pt.wikipedia.org/wiki/Conservadorismo_liberal >, e a Democracia
Cristã < https://pt.wikipedia.org/wiki/Democracia_crist%C3%A3 >.
No
Centro Indiviso, em que estão os Movimentos de Moderantismo tanto Igualitários
quanto Inigualitários, sem predominância de qualquer deles O Centro Indiviso é a posição no espectro ideológico político
Esquerda-Direta que melhor equilibra a aplicação do “Princípio Igualitário” com
o “Princípio Inigualitário”. Nesta posição do espectro situaríamos expressões
como o Liberalismo < https://pt.wikipedia.org/wiki/Liberalismo >, em
especial o Liberalismo Tradicional < https://pt.wikipedia.org/wiki/Liberalismo_cl%C3%A1ssico
> e a Terceira Via < https://pt.wikipedia.org/wiki/Terceira_via > .
Curiosamente, não é o que sempre melhor promove a Paz/Fraternidade, apesar de
ser o que melhor equilibra medidas igualitárias e libertárias, em razão das estruturas
de nossas sociedades.
Se
já tivéssemos o mesmo patamar geral de Igualdade e de Liberdade em todas as
sociedades, talvez fosse mesmo o melhor caminho estar sempre no Centro Indiviso,
mas, ao que tudo indica, o que cada sociedade mais precisa é de agentes
políticos com uma postura e de políticas que efetivamente contrabalanceiem as
tendências estruturais da própria sociedade; se a estrutura social tende a
gerar mais opressão do que desigualdade, ela precisa prioritariamente de
Liberdade e em segundo lugar de Igualdade, e isso movimentos que apliquem predominantemente
o “Princípio Inigualitário” podem oferecer melhor. Já se a estrutura social
tende a gerar mais desigualdade que opressão, ela precisa primariamente de
Igualdade e em segundo lugar de Liberdade, e isso movimentos que apliquem o “Princípio
Inigualitário” predominantemente é que melhor podem oferecer. Cada um deve
fazer essa análise, de que tendências estruturais de sua própria sociedade
precisam ser melhor contrabalanceadas, e de qual movimento ou expressão
política pode oferecer melhor as medidas que contribuam para esse equilíbrio,
para a Paz/Fraternidade se concretizar mais e da melhor maneira possível em sua
sociedade, pois esse será o principal indicativo de seu posicionamento pessoal no
espectro ideológico político Esquerda-Direita.
A
compreensão desse panorama configura a Bússola que queríamos encontrar, e que,
afinal, pouco a pouco (re)construímos, com o suporte valiosíssimo de Norberto
Bobbio e o auxílio de algumas contextualizações e releituras. De posse dessa
Bússola, posso questionar criticamente, por exemplo, aqueles dois minutos do
vídeo institucional que comentamos no início. Nele se veicula a informação de
que a maioria dos Partidos Políticos brasileiros estaria a ocupar uma posição
no espectro ideológico político Esquerda-Direita ou de Centro-Direita (Liberalismo
Conservador) ou de Extrema Esquerda (Comunismo Stalinista). Mas será mesmo? Que
a maioria das cerca de 35 legendas nacionais atualmente existentes se situa
predominantemente nessas posições? Com esta Bússola creio que fica mais nítido
avaliar esse tipo de afirmação. Minha pretensão era mesmo trazer esta Bússola,
este instrumental para uma análise crítica de afirmações deste tipo. Por ora, nada
mais.
Espero
ter contribuído para que os leitores possam avaliar melhor as ideologias
político-partidárias dos Partidos Políticos brasileiros, bem como (re)pensar seus
próprios posicionamentos políticos pessoais.
Ilhéus/BA, 04 de julho de 2017.
Marcus Santana < marcus.antoniosantanasantos@gmail.com >