Wagner do Amparo
Santana[1]
Flavia Cristina de
Mello[2]
Esse texto é fruto de uma pesquisa em andamento sobre a cultura afrobrasileira, realizada por um não inciado na religião do candomblé e iniciante em antropologia, que propõe-se a aprender com a cultura local. Construído na forma de um relato etnográfico sobre o encontro dos Ingomas (Tambores) de Ilhéus, realizado no Terreiro de Matamba Tombeci no dia 23 de março de 2013, aqui pretendemos refletir sobre a figura do Ogã e algumas questões debatidas no evento, como a atual escassez destes especialistas nos terreiros e sobre a possibilidade de profissionalização dos Ogãs.
O Ogã Alabê é (...) “o tocador dos
atabaques, os instrumentos de percussão, chamados de rum, rumpi e lé, nos
terreiros jeje-nagôs. Ele se submete, também, aos rítuais de consagração e tem
a obrigação princicipal de conduzir as festas públicas. O Ogã Alabê deve
conhecer praticamente todas as cantigas litúrgicas e é peça fundamental na
organização sócio-religiosa de um terreiro. Diz-se, com frequência, que o
atabaque é a fala dos orixás, o instrumento principal do seu apelo, o que pode
dar uma medida exata dos compromissos e responsabilidades religiosas dos Ogãs
Alabê que manipulam esse instrumento de comunicação com o universo sagrado...”
(Braga, 2009:82).
O Ogã tem papel central num ritual e
sua função remete ao contexto histórico de perseguições contra os terreiros, no
qual a figura dos Ogãs revelava-se como intermediadora de conflitos entre o grupo
religioso e a sociedade. Em certos momentos históricos, a maioria dos ogãs eram
pessoas importantes e de cor branca, que tinham influência na sociedade civil.
Mais recentemente, houve uma mudança, e passou-se a escolher “pessoas mais
humildes que podem colaborar e participar dos serviços religiosos de maneira
mais regular e que já são portadoras de alguma noção do universo sagrado, do
andamento de rituais e da própria vida da comunidade como um todo.” (Braga, 2009:44).
Na “religião dos orixás” estabelece-se
a noção de família[3],
organizada em torno de um antepassado comum, na qual vivos e mortos participam
do mesmo axé e da mesma memória coletiva. Isso repercute na função do ogã Alabê,
como afirmou o Ogã Gilson Rodrigues Santos, relatando que é “a satisfação de
ser aquele que por meio do toque do atabaque influência os Orixás a
participarem do Xirê[4]
que caracteriza um ogã”. Nessa festa, na qual todos do terreiro estão juntos a
celebrar a memória coletiva dos antepassados, é o momento em que o Ogã exerce com
plenitude sua função.
É por meio do tambor que a dança flui e
exerce seu poder de relação social sobre todos. Ou, como diria Norbert Elias,
sua relação de interdependência, na qual não existem só os indivíduos, mas sim
a relação entre indivíduos e sociedade, uma relação de complementaridade que
repercute em toda a hierarquia do terreiro.
A eleição e formação do ogã não tem a mesma duração dos que vão receber
o orixá, tem como fundamento o saber ouvir os ensinamentos repassados
a ele durante sua iniciação. São escolhidos entre os homens participantes
dos rituais do terreiro, pela mãe de santo e pela comunidade em geral, durante
o xirê.
A profissionalização da função do ogã suscita questões: Se o fazer do ogã é pautado no saber ouvir, em aspectos sagrados e secretos, como propor um curso de formação para ser ogã.Além disso, com a profissionalização, haveria um ruído entre os ogãs que são formados no fazer - ouvir do dia-a-dia, e de outro lado, aquele que formados em cursos.Quem merece mais o título de ogã.
Atinar para essas questões é perceber que a profissionalização da função dos ogãs deve considerar o fato desses comporem um sacerdócio especifico, que está inserida dentro do contexto social de caráter comunitário que difere do tipo de configuração da sociedade capitalista. Delimitar até onde pode o ogã se tornar profissão esta pautada em o que caracteriza a função do ogã no terreiro.No encontro referido, Marinho, um dos membros da organização pondera: " os ogãs estão em falta nos terreiros, é fato, mas deve-se refletir muito sobre a profissionalização da função do ogã, pois a singularidade do mesmo poderia ser afetada."
Referências:
Verger,
Pierre. Fatumbi. Orixás: Deuses Orixás na África e no mundo. Editora Corrupio Comércio,
1981.
Braga,
Julio. A Cadeira de Ogã e outros ensaios: Editora Pallas, 2009.
Norbert,
Elias. A Sociedade dos Indivíduos: Editora Zahar,1994.
[3]“O orixá é uma força pura, imaterial, que só se
torna perceptível aos seres humanos incorporando-se em um deles. Esse ser
escolhido pelo orixá, um de seus descendentes, é chamado seu elégun, aquele que
tem o privilégio de ser “montado” por ele. Torna-se o veículo que permite ao
orixá voltar a terra para saudar e receber as provas de respeito de seus
descendentes que o evocaram. (...) A religião dos orixás está ligada à noção de
família, uma família numerosa, originária de um mesmo antepassado, que engloba
os vivos e os mortos” (Verger,1981:9).
[4] Xirê é a festa que representa o ápice
da comunicação entre o mundo espiritual e mortal.