No dia 25 de dezembro às 20 horas
um dia depois do natal um ambulante apelidado como “Índio” é assassinado no
metrô, o motivo do assassinato, segundo noticiários, foi: “homossexual tentou impedir
ato obsceno” em outros noticiários os agressores são denominados como: “prováveis”
participantes de “grupo de intolerância”, mas, por incrível que pareça será que
queremos compreender esse fato como: questão social? Para isso ser feito devem-se procurar quais
são os problemas que norteiam o homicídio no metrô.
O Brasil desde o século XIX ao
século XXI vem convivendo com questões sociais que afetam segmentos sofredores.
É importante salientar que o índio no período do século XV até o século XVI foi
usado pelos portugueses para manter o sistema mercantilista colonialista na
busca de madeiras e metais preciosos. Posteriormente a metrópole portuguesa não
se satisfazendo com o uso da mão de obra dos índios começou a aumentar o uso da
mão de obra escrava das etnias tiradas da África. As etnias
africanas aqui no Brasil foram forçadas a realizarem trabalhos nos engenhos
de açúcar, sendo usadas como coisas para manter a relação
produção.
Em
suma, se analisarmos o que foi citado acima “poderemos entender” como a sociedade Brasileira foi baseada sobre o uso
intensivo da mão de obra escrava seja das sociedades indígenas ou das etnias
africanas. Historicamente o negro foi coisificado
posto à margem da sociedade, usado pelos “homens brancos”, “civilizados” para
construir o ideário de civilidade, urbanidade, da então classe dominante de
homens ditos “brancos” “homens de ciências” que usaram a mão de obra do negro,
do pardo para construir os centros urbanos, ao mesmo tempo não se preocuparam
com políticas sociais ou publicas perante os cortiços, perante as favelas. O advento
da urbanidade não nasce com o ideal de proporcionar espaço para o negro, o
pardo, ao contrário na divisão social do trabalho o negro e o pardo irão ter
posições subalternas.
Mas
se formos analisar a história das lutas das minorias sociais no
Brasil, muita coisa foi alcançada, pois aconteceram lutas referentes à abolição
do sistema escravocrata no século XIX. É importante salientar que o Brasil foi um
dos últimos países a abolir o sistema escravocrata enquanto outros países já
tinham deixado de ser. Ou seja, o Brasil em seu pensamento político ainda
permanecerá até a conquista da constituição de 1988 com a concepção da Casa
grande e da Senzala, em que o negro e outros segmentos
sociais devem se manter em suas subalternidades, porém com a carta cidadã de
1988 muitos direitos e garantias fundamentais foram substancializados dentro do
Estado
de Direito Democrático.
Mas
é importante perguntar-se: Se dentro do então Estado de Direito democrático que
se caracteriza pelo respeito à liberdade civil, aos direitos humanos, aos
direitos fundamentais da dignidade humana de forma jurídica os indivíduos tratam
as questões sociais sejam elas étnicas raciais, de gênero de forma condizente
no século XIX? Saliento que não adianta só o discurso de retratação histórica
frente aos massacres não contados, seja nos livros de literatura ou de história
do Brasil, as minorias precisam mais que cotas
sociais, mais que políticas de conscientização, precisam de
mobilização frente à violência do tipo
que aconteceu no dia 25 de dezembro às 20 horas em São Paulo.
Estatisticamente
os negros e outras minorias sociais
são os que mais sofrem com a violência física, aqui gostaria de destacar a
Violência simbólica, PODER que se impõe de forma dissimulada moldando nossa
forma de pensar e olhar o mundo, nossas concepções de mundo, nossos hábitos
sociais. Sem recorrer a paranóias de jargões das ciências sociais, nem de
querer catequizar o leitor, é importante salientar que nossa sociedade
brasileira vive em moldes que podemos dizer: “dominantemente masculino”.
O
que se quer dizer com “dominantemente masculino”? Queremos dizer que o Brasil
em sua divisão social, recorre sempre a padrões preestabelecidos. A forma como
socializamos nossas crianças seja na família ou nas escolas usar-se padrões
preestabelecidos, esses são valores e crenças que “dissimuladamente” são
engendrados nos indivíduos. Contudo, que valores são esses? São os valores que norteiam todo o éthos ,
conjunto de hábitos de uma época ou de uma coletividade.
O
alto índice de homicídios perante negros e homossexuais, por incrível que
pareça senhores leitores, está atrelado sim aos padrões preestabelecidos, pois
a violência simbólica sobre o homossexual, o negro, são reflexos da forma como
o ser masculino, esse ser viril, “dominante” condiciona simbolicamente à
maneira de olhar o mundo, sua visão de mundo é pautada por concepções que negam
o ser negro, negam que homem e mulher é uma construção social.
O homicídio do dia 25 um dia após o natal
dentro da central de metro de São Paulo não é um caso de preconceito, ou ato de
indivíduos embriagados, ou transtornados, é um ato de violência simbólica,
perceba que simbólico aqui é físico, mas mascarado, que se impõe pelo poder sem
precisar se justificar para: agredir, tirar a vida, vigiar, punir. Como
mencionei o texto não tem o fim catequizador de querer mostrar jargões das ciências
sociais, mas de inferir que a morte do ambulante, denominado “Índio” demonstra
como em nossa sociedade há um “habeas corpus” sobre os corpos dos tidos:
desviantes.
“No antigo sistema, o corpo dos condenados se tornava
coisa do rei, sobre a qual o soberano imprimia sua marca e deixava cair os
efeitos de seu poder. Agora, ele será antes um bem social, objeto de uma
apropriação coletiva útil” (FOUCAULT ,1997,p.105)
O
corpo aqui tornado objeto de suplício, objeto de tortura pública é do ambulante
denominado “ÍNDIO” que foi defender um travesti porque dois homens estavam em
lugar público urinando, e por não terem gostado de terem sido incomodados em
seu ato obsceno de urinar em via publica, procuraram agredir o travesti e
depois não conseguindo o ínterim partiram para agredir até a morte o ambulante.
Atos como esses não são casos a parte, podemos dizer: números para estatística,
mas não caso a parte.
Percebam o homicídio não pode ser
tratado como causa, ele tem que ser tratado como conseqüência. Como assim? A
origem da concepção que dois homens podem correr e agredir outra pessoa está nas
nossas concepções de virilidade, lendo o livro dominação masculina do sociólogo
Bourdie virilidade remete a algo valido pelos outros homens, sua verdade é
atestada pelo reconhecimento de grupos de “verdadeiros homens”, esses que não
precisam justificar seus atos de violência, pois sabemos que em nossa
sociedade, o homem tem que ser forte, não levar desaforo para casa, ser o alfa
das relações.
O fato de dois homens recorrerem à
violência sobre o negro apelidado de “índio” e um travesti denota a violência
simbólica mencionada anteriormente no texto. Nossa sociedade em sua estrutura
social tem padrões que de certa forma tornam-se “obrigatórios” dentro e fora
das nossas relações sociais essas que são formadas por valores de (grupos conservadores)
dentro das relações, isso pode indicar como somos guiados conscientes a caracterizar
o homicídio e a agressão praticada por dois homens como algo reflexo da concepção
androcêntrica, essa que tem como centro das relações o termo homem como retrato
da sociedade, atestando em suas relações o aspecto dominante de que precisamos
ser viril, forte, e procurarmos dominar o outrem.
Mas é necessário perguntar-se como
podemos lidar com essa estrutura social que perpassa todas as nossas relações e
perguntar-se se ela realmente nos “obriga” a socializar nossas crianças usando padrões
normativos, padrões que só reificam e tornam coisas “abstratas” em algo material.
No caso daquilo que chamamos de preconceito no senso comum, aqui vemos o
preconceito como uma espécie de concepção significativa que torna-se dominação
masculina, materializada por meio dos nossos hábitos sociais.
Por meio dessas inferências
recorrendo à leitura do livro Dominação Masculina de Pierre Bourdieu em
especial o capitulo Dominação e Amor, concordo com o sociólogo que não tem
como mudar a estrutura social, pois mesmo que queiramos, em algum momento
estaríamos reproduzindo ainda a dominação masculina que gera violência
simbólica. Para Pierre Bourdieu só podemos lidar com essa estrutura por meio de
ações que denotem não querer estarem na posição de dominante. No caso dos
homens que partiram para a agressão eles precisariam parar e usar serem conscientizados
sobre seus atos. Mas no caso deles além de tomarem consciência precisam pagar
pelo crime e passarem por políticas públicas que incentivem a desconstrução da
concepção da dominação masculina, em que tudo é justificável por causa do ser
viril, do ser homem. É importante informar que o ser homem é uma construção
social e não é biológica, se um homem bate numa mulher ou quer demonstrar que é
viril não é culpa da questão biológica, mas da concepção que o “homem é viril, o
mesmo é o dono homem da casa, o machão, o valentão, o que precisa dominar para ser
respeitado”.
REFERÊNCIAS:
FOUCALT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da
prisão.24.ed Petrópolis, Rj: Vozes,2001. 277
BOURDIEU, Pierre; KUHNER, Maria Helena. A dominação
masculina. Rio de Janeiro, Rj: Bertrand Brasil, 2014.158p